O placar de ontem no STF reflete muito mais do que o gigante contra o fraco. Reflete a derrota do Brasil real, a derrota do Brasil dos brasileiros, a derrota dos que em torno dos palanques vibram e aplaudem os Donos do Poder, dando-lhes o cofre, o segredo e a chave do Brasil S/A.
O advogado do deputado Antonio Palocci, entremeando algumas palavras de português com muito alemão, algum italiano e pouco e péssimo francês, lá pelas tantas disse o seguinte:
"O nosso único argumento é o argumento da verdade. Em mais de 3.000 páginas dos autos, não há nenhuma prova de que o ex-ministro teve a ver com a quebra de sigilo. É importante lembrar que nada menos do que seis órgãos do Estado começaram a investigar o caseiro, mas é muito mais fácil dizer que era interesse exclusivo do ministro Palocci a quebra do sigilo. Nós estamos em uma situação maniqueísta, de um lado um trabalhador humilde contra um ministro de Estado, uma espécie de Davi contra Golias. Mas acontece que tecnicamente não existe. Não há provas contra o ministro", afirmou Batochio antes do julgamento.
Não sei se o distinto Dr. Batochio se deu conta de que enquanto fazia sua peroração, a televisão mostrava, posto que sentado bem atrás dele, as pernas de Francenildo Costa, o objeto da investigação de seis órgãos do Estado! Sabem lá o que é isso? Seis órgãos do Estado brasileiro a investigar um rapaz que para acompanhar o que diriam dele os doutores Batochios e os Meritíssimos, teve que se valer de um terno emprestado. Ele não tinha um par de meias apropriadas para os sapatos de couro que lhe foram emprestados ou doados, usava dessas meias brancas sem cano algum, os tornozelos à mostra faziam um brutal contraste com as togas e o protocolo da egrégia corte.
Mas, afinal, o que fez Francenildo Costa para levantar a suspeita de seis órgãos de Estado? Recebeu R$25.000,00 de seu pai, pequeno empresário no Nordeste que, para evitar que Francenildo entrasse com ação de paternidade, lhe acenou com essa quantia igual ao salário mensal de um punhado de poderosos, mas que para a grande maioria dos brasileiros é uma pequena e inusitada fortuna. E Francenildo Costa aceitou.
Mas Francenildo Costa fez mais; fez aquilo que alguns anúncios institucionais andam pedindo que o brasileiro faça: "denuncie, exerça sua cidadania!" (ouvi isto esta semana, na TV). Ele exerceu sua cidadania e ao exercê-la, ficamos sabendo ontem, deslanchou a sanha de seis órgãos de Estado contra ele.
E conseguiu o que eu consideraria impossível se lesse num conto ou num romance: que o Presidente da Caixa Econômica Federal, indignado com seu gesto, acionasse subordinados, à noite, mais de 20:30 da noite, para que imprimissem o extrato de sua caderneta de poupança. Obedecida a ordem, levou a prova do crime do caseiro – i.e. ter R$25.000,00 na poupança - ao Ministro da Fazenda Antonio Palocci, que nada fez, a não ser talvez, e isso imagino eu, dar um Oh! surpreso, um boa noite e ir se deitar. Muito natural: já passava das 23:30 da mesma noite, mais do que hora de ir para a cama.
Afinal, aquilo não era do interesse do então Ministro da Fazenda, não é, Ministro Gilmar Mendes? Era do interesse apenas do Presidente da Caixa, é isso, ou eu compreendi mal? Porque houve crime de quebra de sigilo bancário, não é? Houve um prejudicado, Francenildo Costa. Houve divulgação de seu nome e de seu extrato na Imprensa, foi invadida de modo brutal a sua privacidade, o seu direito ao sigilo bancário foi quebrado e mais, para esclarecer a situação, teve que entrar em detalhes provavelmente dolorosos para ele, e sua mãe.
No entanto, só um dos acusados mereceu de sua parte e de quatro de seus colegas a aceitação da denúncia feita pelo Ministério Público: o senhor Jorge Mattoso.
É esse o roteiro, Ministro Gilmar Mendes, é essa a decisão mais justa?
É esse o fel que temos que engolir?