Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 22, 2009

Sob a Lupa do Economista, de C. Gonçalves e M. Rodrigues

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À luz da economia

Por que a "ciência lúgubre" continua a ser 
uma arma poderosa da razão e da política


Giuliano Guandalini

O ensaísta britânico Thomas Carlyle (1795-1881) chamou a economia de "a ciência lúgubre" (the dismal science, no original). Isso foi há 150 anos, mas a cada crise os economistas voltam a ser alvo de galhofa e de escárnio, inclusive por parte dos próprios economistas, por causa dos erros eventuais de suas análises e modelos teóricos. Não foi de outra maneira na recente tormenta financeira, ao ponto de a revista inglesa The Economistter ironizado: "De todas as bolhas econômicas que estouraram, poucas o fizeram tão espetacularmente como a própria reputação da ciência econômica". É uma avaliação dura e um tanto injusta. O entendimento de como funcionam os mercados evoluiu tremendamente nos últimos dois séculos, colaborando de maneira inequívoca para o aprimoramento da qualidade de vida em boa parte do planeta. Apesar de as incertezas e as crises serem implícitas à sua atividade, os economistas conseguem hoje explicar com clareza diversos fenômenos não apenas econômicos, mas também sociais e comportamentais. 

Uma ótima – e em nada lúgubre – introdução ao que de mais atual existe sobre o pensamento econômico está no recém-lançado Sob a Lupa do Economista (Campus/Elsevier; 248 páginas; 59,90 reais), de Carlos Eduardo Gonçalves e Mauro Rodrigues. Os autores, ambos jovens professores da USP, tiveram como inspiração sucessos internacionais como Freakonomics e O Economista Clandestino ao escrever um livro divertido e que recorre a exemplos inusitados, muitos deles do cotidiano, para ilustrar conceitos essenciais e apresentar os resultados de pesquisas recentes, sobretudo no campo da economia comportamental. Economistas são usualmente vistos como profissionais que tratam de assuntos de digestão difícil – como taxa de juros, câmbio e contas públicas. Esses temas aparecem nas páginas de Sob a Lupa, mas o livro conta também o que novos estudos têm a dizer sobre fatos tão diversos como a média de gols nos jogos de futebol, o comportamento dos terroristas, os fãs de Harry Potter e as multas de trânsito dos diplomatas que moram em Nova York. O livro é composto de capítulos breves (ou crônicas). O estilo é similar ao de Economia sem Truques, lançado no ano passado e que também teve Gonçalves como um dos autores. O novo livro, no entanto, é mais abrangente e ainda melhor.

No quadro abaixo, há exemplos de alguns episódios narrados no livro e as lições deixadas por eles. Um deles conta como a Revolução Gloriosa (1688) impôs a disciplina fiscal aos monarcas britânicos, permitindo a queda dos juros – exemplo lapidar de como um avanço institucional favorece o crescimento. Outro capítulo conta como o protestantismo estimulou a alfabetização na Europa a partir do século XVI. Mais que a ética protestante de que falou o sociólogo alemão Max Weber, essa teria sido a contribuição fundamental da religião para a ascensão do capitalismo e o desenvolvimento econômico. A insensatez das campanhas de ajuda à África promovidas por celebridades, que redundam em nada por carecer de lógica econômica mínima, é tema de uma crônica ácida. O livro também explica como os erros dos governos (e não apenas a ganância e a irresponsabilidade dos bancos) permitiram que estourasse a crise financeira atual.

Mais que oferecer um compêndio de curiosidades, Sob a Lupa mostra a força da pesquisa econômica como ferramenta da razão – e da política. "Teorizar é divertido", dizem os autores. "Mas teoria sem suporte dos dados va-le pouca coisa, pois na prática quem escolhe o rumo das políticas públicas precisa conhecer a eficácia concreta de cada medida em particular." Apenas essa já seria uma contribuição luminosa dos economistas.


CRÔNICAS ECONÔMICAS E SUAS LIÇÕES

Ilustrações Rob
RISCO SOBERANO Os reis ingleses viviam endividados, mas não viam problema nisso, porque davam calote sem o menor pudor. Em 1688, com a Revolução Gloriosa, os monarcas deixaram de estar acima da lei. Resultado: o governo, que antes precisava pagar juros de ao menos 10% ao ano para se endividar, viu as taxas caírem para 3%, porque diminuiu o risco de inadimplência.


A BOMBA EXPLODIU No filme Dr. Fantástico (1964), a máquina do juízo final ativa o arsenal soviético ao menor sinal de um ataque americano. O dispositivo, paradoxalmente, ajuda a manter a paz, porque dissuade os bombardeios. Da mesma maneira, os bancos deveriam ter restringido empréstimos e evitado o estouro da crise atual. Mas deixaram a bomba explodir, porque sabiam que haveria o socorro governamental.


BÁSICO INSTINTO Em uma reunião do Fórum Econômico Mundial, Sharon Stone foi às lágrimas ao "saber" que milhões de crianças morrem de malária na África por causa da falta de mosquiteiros. A atriz lançou uma campanha pela doação de recursos para a compra dos mosquiteiros. A iniciativa foi inútil. Os tecidos comprados foram parar nos mercados populares africanos e viraram véus para vestidos de noiva.


BÍBLIA DO DESENVOLVIMENTO Max Weber (1864-1920) argumentou que a ética protestante, ao contrário da católica, era favorável à acumulação de riquezas. Isso explicaria o maior desenvolvimento de países protestantes. Mas estudos recentes revelam que, com a Reforma Protestante (século XVI), os fiéis foram estimulados a ler a Bíblia. O analfabetismo diminuiu, e o maior nível de estudo (e não a "ética") estimulou o desenvolvimento.

 

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