Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 29, 2009

Voz: tamanho não é documento

O poder do sussurro

As cantoras de voz pequena provam que não é preciso
se esgoelar para tirar o melhor de uma música


Sérgio Martins

Se pudesse ter escolhido, Fernanda Takai gostaria de cantar com a força de Clara Nunes. A natureza, no entanto, lhe deu uma voz miudinha – e a obrigou a procurar outras referências. No começo da carreira, Fernanda encontrou inspiração na inglesa Tracey Thorn, do duo Everything But the Girl, e na americana Suzanne Vega. Nos shows, era com esforço que ela dava conta das músicas mais barulhentas. Mesmo assim, seu vocal suave se impôs e se tornou uma marca de sua banda, o Pato Fu. Em seu primeiro disco-solo, lançado no fim de 2007, Fernanda, hoje à vontade com seus dotes, homenageou outra cantora de voz pequena: Nara Leão (1942-1989), uma das maiores intérpretes da bossa nova. Onde Brilhem os Olhos Seus vendeu 55 000 unidades, número expressivo no combalido mercado fonográfico, e agora se desdobrou em um CD e DVD ao vivo, Luz Negra. Escutar a interpretação delicada de Fernanda para músicas como Ben, do repertório de Michael Jackson, pode ser uma experiência renovadora: descobre-se que não é preciso se esgoe-lar como um calouro do American Idol para transmitir emoção. Pode-se dizer o mesmo do canto contido e delicado da paulista Tiê, em seu recente disco de estreia, Sweet Jardim. E o estilo deliciosamente inconsequente de algumas cantoras do pop britânico, como Lily Allen (que faz show no Rio e em São Paulo em setembro) e Kate Nash, deve muito ao jeitinho meio infantil com que elas cantam. As cantoras de voz pequena têm algo a dizer no cenário pop atual – e o dizem bem.

No canto lírico, o termo "voz pequena" refere-se aos artistas de menor volume e potência sonoros. O que não significa menor qualidade técnica: a meio-soprano italiana Cecilia Bartoli, por exemplo, tem uma voz diminuta, porém infinitamente expressiva. Se a voz poderosa deixou de ser uma exigência absoluta da ópera, em que o canto tem de se sobrepor à orquestra, isso é tanto mais verdade em outros gêneros. Ao longo do século XX, microfones e mesas de som permitiram que cantores que não conseguiam cha-coalhar as vidraças ao soltar a voz pudessem se expressar sem ser soterrados pelos instrumentos. Abriu-se o campo para gêneros que valorizaram a voz mínima, como a bossa nova e, na França, a chanson (tradição hoje encampada pelos sussurros sensuais da primeira-dama Carla Bruni). O tamanho da voz tornou-se um valor relativo, sujeito a modas e estilos. A americana Billie Holiday, com seus registros agudos e longos, soa como uma grande voz comparada às cantoras atuais (incluindo imitadoras como Madeleine Peyroux). Mas, em seu tempo, era considerada uma voz pequena – as contemporâneas Sarah Vaughan e Ella Fitzgerald tinham alcance bem maior. "Billie Holiday anasalava muito, mas imprimia uma dramaticidade sem igual às canções", diz a professora de canto Vera do Canto e Mello.

Existem artistas que têm voz pequena – são fisicamente incapazes de aumentar o volume –, e outros que limitam os recursos vocais porque acreditam na eficiência de uma interpretação econômica. Fernanda Takai e Nara Leão enquadram-se na primeira categoria; João Gilberto, cantor de grande extensão vocal, na segunda. Para o ouvinte, porém, a distinção acaba sendo irrelevante: o que importa é o que o artista consegue fazer com os dons que tem. Os superagudos de uma Whitney Houston ou de uma Celine Dion distorcem as letras e banalizam o sentimento. A voz contida, porém, tem maleabilidade para dar às palavras seu significado emocional preciso(veja o quadro abaixo). Menos é mais.

Menos é mais
Quatro expoentes do canto minúsculo

Divulgação

CARLA BRUNI

Onde aprendeu a cantar: italiana de nascimento, a primeira-dama da França é fiel aos artistas franceses de chanson, de voz discreta, quase falada, como Serge Gainsbourg

O maior acerto: seus sussurros sublinham a sensualidade de letras como Tu Es Ma Came, na qual compara a paixão por um homem ao vício em heroína

LILY ALLEN

Onde aprendeu a cantar: suas principais escolas musicais são os artistas de ska inglês, surgidos no fim dos anos 80, e o canto falado do rap

O maior acerto: seu canto não é propriamente pequeno – é infantilizado. Esse tom de menininha dengosa torna mais debochadas canções como Smile e Not Fair, em que ela reclama dos ex-namorados

Lailson Santos


FERNANDA TAKAI

Onde aprendeu a cantar: com os intérpretes contidos da bossa nova – em particular, com Nara Leão – e artistas pop de vocais delicados como Tracey Thorn, do duo Everything But the Girl, e Suzanne Vega

O maior acerto: canções tristes e sofridas – como Luz Negra, de Nelson Cavaquinho – ganham uma pungência sem melodrama na sua interpretação


Cyntho/Corbis/Latinstock


MADELEINE PEYROUX

Onde aprendeu a cantar: a cantora americana é imitadora de Billie Holiday, cuja voz tem um alcance menor do que a de outras divas do jazz

O maior acerto: emulando o modo preguiçoso e dolente de Billie Holiday, Madeleine encontrou o tom certo para clássicos do country e do blues como Weary Blues from Waitin’, de Hank Williams, e Careless Love, de W.C. Handy

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