Entrevista:O Estado inteligente

domingo, agosto 23, 2009

DANUZA LEÃO Que alguém me explique

FOLHA DE S PAULO


Tanto quanto o pouco demais nos entristece, o muito exagerado pode nos causar um certo desconforto

ACREDITO QUE todas as pessoas do mundo ficariam felizes se soubessem que todos, sobretudo os menos favorecidos, pudessem melhorar de vida e ter acesso aos bens materiais que fazem com que o nosso cotidiano seja mais fácil e mais agradável. Não seria bom saber que aos 20 anos todos os meninos e meninas vão poder ter um carrinho? Que todos os jovens, ao se casar, terão direito a um apartamentinho, mesmo pequeno, mas com o mínimo necessário para viver decentemente, com lugar para o bebê que certamente virá? Então estamos todos de acordo; mas existem algumas coisas que não entendo e acho quase injustas. Tanto quanto o pouco demais nos entristece, o muito exagerado pode nos causar um certo desconforto.
É bom pensar que um garoto da favela conseguiu dar a volta por cima e tornar-se um grande jogador de futebol, cobiçado por clubes do mundo inteiro, e com isso tirou da pobreza quase absoluta uma família inteira: pai, mãe, irmãos, sobrinhos, primos, amigos. Mas quando leio que um desses meninos, pelo fato de ter nascido com o dom de chutar bem uma bola, ganhou 50, 80 ou 100 milhões de dólares, ou que uma modelo brasileira, por ter tido a sorte de nascer fotogênica, foi incluída na lista das personalidades do show business (ou algo parecido), como uma das que mais faturaram no ano, fico meio mal.
Alguma coisa está errada; tem que estar. É claro que, se esses fenômenos ganham o que ganham, tem gente por trás deles ganhando muito mais; de onde vem o dinheiro que paga as viagens e reuniões solenes dos dirigentes da Fifa pelos países do mundo, e os altíssimos salários desses dirigentes? Os lucros e poderes da indústria da moda e dos perfumes já sabemos de onde vêm: do bolso daquelas que acham que, se usarem um vestido ou um perfume que saiu na revista no corpo de Kate Moss, vão ficar iguaizinhas a ela, e fico pensando: será justo que um desses escolhidos pela sorte mereçam uma fortuna tão grande quanto a que eles ganham?
Houve uma época em que fiz as contas e lembro que o salário de um desses jogadores milionários, dividido pelos 30 dias do mês, dividido pelas 24 horas do dia, fazia com que ele ganhasse por hora mais do que muita gente, mas muita gente mesmo, conseguiria ganhar em um ano. Por uma questão de equilíbrio, com todos os fantásticos dons com que eles nasceram, esses contratos não poderiam -deveriam- ser mais razoáveis? Porque 50 milhões de dólares é muito dinheiro, aqui e em qualquer lugar do mundo. Dinheiro demais, eu diria. E tanto, que quem ganha essa grana toda, sem estar preparado para isso, acaba como Romário, tendo que leiloar um apartamento para pagar suas dívidas. Eles são, em sua maioria, tão ingênuos, que a cada namorada, um filho.
Talvez seja esse excesso de grana que faz com que não se sinta, em nenhum jogador, o amor que existia pela camisa da seleção. Eles são escalados e entram em campo pensando no possível contrato que poderão assinar com um time do exterior, assim que o juiz der o apito final; e se o Brasil, por acaso, for campeão, melhor ainda. E não sei por que, lembro de Garrincha, tão modesto, tão simples, tão genial, tão inesquecível. E tão gostado por todos, mais do que qualquer dos outros de antes ou depois dele jamais foram nem serão.
E fico pensando que ganhar essas fortunas é tão injusto -a palavra é péssima, mas não sei qual seria a certa- quanto viver passando necessidades.

danuza.leao@uol.com.br

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