Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, agosto 21, 2009

Pobres ricos!- Mírian Leitão


O Globo - 21/08/2009

O caminho da volta será tortuoso. Os países se endividaram muito para conter a crise. Terão em algum momento que cortar gastos ou subir juros para arrumar as contas. Em qualquer dos caminhos, há custos para o PIB. Para o FMI, o crescimento potencial dos próximos anos será contido pelos excessos de hoje. Os EUA estão com 12% de déficit e vão chegar a 2010 com dívida de 90% do PIB.

Pela projeção do FMI, a dívida pública americana, que era de 40% anos atrás, saltará de 63,1%, em 2007, para 90,2%, em 2010 (veja o gráfico). A do Reino Unido saltará de 44% para 68,7% no mesmo período, enquanto a da Alemanha subirá de 65% para 80%. A expectativa é que a dívida dos países do G-20 fique acima de 100% nos próximos anos. É praticamente consenso entre os economistas que países com dívidas altas têm baixo crescimento no médio e longo prazo. Eles precisarão se financiar, e é impossível fazer isso sem aumento de juros. Com o dinheiro mais caro, consumo e investimentos são afetados.

A economista Monica de Bolle, da Galanto Consultoria, estima que o crescimento médio americano dos próximos anos cairá de 3% de 1998 a 2007 para algo em torno de 2%. A Tendências Consultoria estima crescimento médio de 1,8% entre 2010 e 2012. Isso significa que se tudo correr bem na recuperação, o aumento da dívida pode reduzir o crescimento americano para quase a metade. O principal motor da economia mundial ficará operando à meia-bomba.

— O aumento da dívida americana e dos países desenvolvidos preocupa muito.

O déficit público dos EUA em 2009 saltará de 5% para 12%.

É um déficit de país em desenvolvimento.

Se não fosse os EUA, dificilmente esse país conseguiria se financiar — disse Monica de Bolle.

Relatório divulgado esta semana pelo economista-chefe do FMI, Olivier Blanchard, aponta soluções. Nenhuma é simples. Algumas precisarão ser coordenadas entre os países.

Ele alertou que a crise deixou “profundas cicatrizes” para os próximos anos.

A retomada que já começou em países que foram fortemente atingidos, como Japão, Alemanha e França, é vista com cautela por Blanchard: ela não é suficiente para conter o aumento do desemprego e só está acontecendo a custa de incentivos fiscais. Desemprego maior significa aumento de inadimplência, risco para o sistema financeiro — que ainda está combalido — e consumo mais fraco. Como o nível de endividamento dos países está elevado, os incentivos possuem prazo de validade, a menos que outras despesas dos governos sejam contidas.

Pela cartilha do Fundo, a receita é conhecida e amarga: menos gastos com despesas correntes; Previdência; sistemas de saúde.

Os EUA estão discutindo a reforma do sistema de saúde e isso vai exigir mais e não menos gastos. Como a principal economia do mundo poderá reduzir o déficit, estabilizar e financiar sua dívida e ampliar gastos sociais? É o desafio que definirá a marca do governo Obama.

Esta crise tem sido, desde o começo, diferente das outras.

Em recessões passadas, após o período de retração as economias voltavam crescendo a taxas elevadas. Desta vez será diferente, como também explica Monica: — O que foi destruído na capacidade de oferta da economia americana não será recomposto rapidamente.

Ela cita dois exemplos claros: a indústria automobilística, que nunca mais será a mesma; e o sistema financeiro que só opera hoje com garantias do governo.

Ainda há outro problema grave. Traumatizados, endividados com a crise, e sem poder contar com a valorização dos imóveis e ganhos com bolsa, os americanos passaram a poupar dinheiro, pensando no futuro. A taxa de poupança pessoal do país, que em 2008 chegou a zero, agora já encosta em 7%.

Os economistas acham que para salvar o PIB mundial os Estados Unidos têm que voltar a consumir, ou alguém ocupar seu lugar na demanda.

Mas quem poderia consumir com aquela sofreguidão? E mais: o mundo da mudança climática permite tanto consumo? Os EUA e outros países terão inevitavelmente que lidar com o alto grau de endividamento com o qual estão saindo da crise. Isso reduz o horizonte de crescimento nos próximos anos. As famílias americanas não voltarão tão cedo a consumir o que consumiam antes porque perderam status, tiveram que trocar de casa, de carro, renegociar o cartão de crédito, adiar a aposentadoria. A crise atingiu o estilo de vida americano.

Governo e famílias terão que enfrentar a crise de endividamento que esta recessão produziu. Essa é uma das incertezas que pairam sobre a retomada da economia mundial.




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