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O führer do colegial
A lição de A Onda sobre a psicologia do fascismo
Marcelo Marthe
Divulgação |
MASSA DE MANOBRA Os estudantes de A Onda: uniforme, símbolo e saudação |
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Numa cena de A Onda (Die Welle, Alemanha, 2008), em cartaz no país desde sexta-feira, o professor de história Rainer Wenger (Jürgen Vogel) ouve com atenção as opiniões dos alunos sobre o melhor modo de batizar o movimento fictício que dá título ao filme. Só uma estudante vê sua sugestão ser solenemente desprezada. E por um motivo na aparência trivial: ela não aderiu ao uniforme instituído por Wenger e adotado com fervor pela classe – camisa branca e calça jeans. A opção por manter a individualidade na vestimenta faz com que ela seja isolada pelos colegas. A situação resume as intenções do diretor alemão Dennis Gansel: mostrar os mecanismos sociais e psicológicos que levam à adesão ao fascismo. A Onda se baseia numa experiência real ocorrida num colégio secundário americano em 1967. O professor William Ron Jones montou, em sua sala de aula, uma simulação de regime totalitário. A versão para o cinema se passa na Alemanha atual, uma nação obcecada por entender como Adolf Hitler a dominou no passado.
Várias experiências visaram a reproduzir num microcosmo o comportamento político autoritário de grupos humanos – a mais célebre foi o aprisionamento de estudantes da Universidade Stanford, em 1971, conduzido pelo psicólogo Philip Zimbardo (e que, significativamente, inspirou outro filme alemão, A Experiência), para analisar os mecanismos da violência coletiva. O fascismo fajuto proposto por Jones a seus alunos, porém, não tinha fins científicos, mas pedagógicos. O singelo professor pretendia demonstrar aos alunos como os alemães aderiram ao nazismo nos anos 30. O experimento acabou mal: um garoto levou a farsa a sério e perdeu uma mão ao lidar com explosivos. Pais e educadores se voltaram contra Jones, e o führer colegial foi demitido. O roteiro traçado por Jones – e por Wenger, sua contrafação alemã – contempla o passo a passo do receituário da barbárie descrito pelo ensaísta búlgaro Elias Canetti (1905-1994) num tratado clássico sobre o totalitarismo, Massa e Poder. Roqueiro que até então mantinha uma relação descontraída com a classe, o professor de A Onda inicia sua simulação impondo ordem. Estabelece que os alunos só se dirijam a ele como "Sr. Wenger". Em seguida, dá aos estudantes o sentido de pertencimento a um grupo, com a adoção de um uniforme, um símbolo e uma saudação. Logo, quem não se conforma às regras passa a ser punido. Imersos em conflitos familiares e rotinas vazias, os adolescentes engajam-se com ardor, e a ação se encaminha para um final violento. A Onda é um tanto esquemático na exposição de sua tese – mas o diagnóstico (em tudo similar ao de Canetti) é preciso: o autoritarismo começa com a anulação, muitas vezes voluntária, do indivíduo.
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