Entrevista:O Estado inteligente

segunda-feira, agosto 31, 2009

A Justiça é cega Ricardo Noblat

O Globo - 31/08/2009
 

 

"É questão de status: 99% dos brasileiros na situação de Palocci seriam réus a essa altura." ( Luiz Flávio Gomes, jurista )

A Justiça é cega

O que é, o que é? Tem tromba de elefante, corpo de elefante, pata de elefante, mas não é um elefante, segundo o Supremo Tribunal Federal? É o ex-ministro da Fazenda Antônio Palocci, depois de livrar-se da denúncia apresentada pela Procuradoria Geral da República contra os suspeitos pela quebra do sigilo bancário do caseiro Francenildo Costa.

"Decisão judicial não se discute, cumpre-se", repetem os que consideram errada uma sentença, mas preferem calar a respeito. Decisão judicial se discute, sim. Juiz não é infalível. A infalibilidade do Papa só se tornou dogma em 1817. Mesmo assim se restringe às questões e verdades relativas à fé e à moral. Acata-se decisão judicial. Mas quando possível se contesta junto à própria Justiça.

Francenildo foi caseiro de uma mansão em Brasília frequentada por prostitutas de luxo, Palocci e ex-assessores da época em que ele foi prefeito de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Desconfia-se que ali rolavam negócios sujos. Em depoimento na CPI dos Bingos do Senado, um motorista havia dito ter visto Palocci na mansão várias vezes. Palocci jurou jamais ter ido lá.

Descoberto pelo jornal O Estado de S. Paulo, Francenildo contou que flagrara Palocci na mansão de 10 a 20 vezes. A entrevista foi publicada no dia 14 de março de 2006. No dia 16, Francenildo renovou a acusação na CPI. Só pôde fazê-lo porque chegou com atraso ao Senado liminar concedida pelo ministro Cezar Peluso em ação impetrada pelo PT proibindo Francenildo de depor.

No mesmo dia, pelo menos seis órgãos do Estado, entre eles a Polícia Federal e a Receita, se ocuparam em devassar a vida de Francenildo. Um empregado da jornalista Helena Chagas confidenciara à ela que Francenildo procurava uma casa para comprar. Como poderia ter tanto dinheiro para isso? A informação bateu nos ouvidos do senador Tião Viana (PT-AC), que a repassou a Palocci, que convidou Helena para um encontro.

Palocci perguntou a Helena se o empregado dela toparia depor contra Francenildo. Helena respondeu que não. Às 19h, no Palácio do Planalto, Palocci reuniu-se com Jorge Mattoso, presidente da Caixa Econômica. Em seguida foi para casa e Mattoso voltou ao prédio da Caixa. Às 20h, Mattoso entregou a um assessor o CPF e o nome completo de Francenildo. Saiu para jantar em um restaurante.

Dali a uma hora, Mattoso recebeu do assessor um envelope pardo com os extratos bancários de Francenildo, dono de uma conta na Caixa e de depósitos que somavam R$ 38.860,00. Estava consumado o crime de quebra do sigilo bancário. Ainda no restaurante, Mattoso atendeu a um telefonema de Palocci. Foi ao encontro dele. Palocci examinou os extratos. Que no dia seguinte foram parar na sucursal da revista Época.

Pouco depois das 19h do dia 17, a revista postou os dados em seu site junto com a explicação de Francenildo sobre a origem do dinheiro - uma doação do empresário Eurípides Soares da Silva, seu pai. Eurípides confirmou a doação, mas negou que fosse pai de Francenildo. A tentativa de desacreditar o caseiro, sugerindo que ele fora subornado para mentir, acabou desmontada até as 22h. A mãe de Francenildo admitiu que ele era filho bastardo do empresário.

O próprio Eurípides confessou que dera dinheiro a Francenildo para não ter que reconhecê-lo como filho. "Por que fizeram isso comigo?", queixou-se Francenildo. Porque "a corda sempre arrebenta do lado do mais fraco", conferiu o ministro Marco Aurélio de Melo, um dos quatro votos vencidos na sessão do Supremo da semana passada. Cinco colegas dele rejeitaram a denúncia contra Palocci. Não viram indícios suficientes de sua participação na quebra do sigilo.

Sobrou para Mattoso, que será processado pela quebra do sigilo bancário do caseiro. Para a Justiça, o elefante da história é ele. Quanto a Palocci, poderia ter denunciado Mattoso ao receber dele os extratos de Francenildo. Ignora-se por que não o fez.

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