Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 29, 2009

Livro resgata mestre do ecletismo

O ESTADO DE S PAULO

Livro resgata mestre do ecletismo

Archimedes Memória desenhou do Jockey Club do Rio à Assembleia Legislativa, mas acabou quase esquecido

Márcia Vieira, RIO





Archimedes Memória foi um dos maiores arquitetos do País. Seu escritório, em sociedade com o franco-suíço Francisque Cuchet, foi responsável por uma enxurrada de projetos nos anos 20 e 30 no Rio, então capital federal. Muitas construções, como a imponente sede do Jockey Club, na Lagoa, a Assembleia Legislativa, o altar da Igreja da Candelária, no centro, e a sede do clube Botafogo, na zona sul carioca, continuam em pé. Outras, como palacetes da elite brasileira da época, foram abaixo. Apesar do currículo farto, Archimedes caiu no esquecimento. A única homenagem da cidade ao arquiteto foi dar seu nome a uma rua no bairro da Penha, zona norte, próximo de um complexo de favelas dominado pelo tráfico. "Parece que a arquitetura brasileira no século 20 foi só Oscar Niemeyer. Ninguém fala em outros grandes profissionais", lamenta Péricles Memória Filho, neto de Archimedes. Também arquiteto, como outros nove integrantes da família, Péricles tenta agora resgatar a imagem do avô. Durante seis anos mergulhou no acervo de mais de mil documentos e plantas para escrever o livro Archimedes Memória - O último dos ecléticos. O livro enaltece a importância de Archimedes para a arquitetura brasileira e seu estilo, uma releitura do renascentismo francês e italiano. Archimedes fez história não só pelos prédios que projetou, mas pelo papel político. Cearense de Ipu, no sertão, ajudou a fundar o Instituto de Arquitetos do Brasil e participou da campanha para a criação da primeira faculdade de Arquitetura do País, na Universidade Federal do Rio. Péricles Memória Filho não tem nada contra Niemeyer, muito menos contra Lúcio Costa, que foi estagiário do avô. "Eu conheci o Lúcio Costa. Ele era brilhante. Mas, para que o movimento contemporâneo tivesse sucesso no Brasil, foi preciso sepultar o que veio antes. Com isso, a arquitetura brasileira ficou sem história. Não se estuda na faculdade o ecletismo clássico, o neocolonial", lamenta Péricles, que bancou os custos para produção dos 2 mil exemplares do livro editado pela Editora Brasil Ltda.. A rivalidade entre Archimedes e os modernistas eclodiu no concurso público promovido pelo presidente Getúlio Vargas, em 1935, para construção da sede do Ministério da Educação e Saúde Pública, no centro do Rio. O livro conta em detalhes o episódio. Archimedes, já trabalhando sem o sócio Francisque Cuchet, venceu o concurso. Ganhou, mas não levou. Por decisão do então ministro da Educação, Gustavo Capanema, foram contratados Lúcio Costa, Oscar Niemeyer e Afonso Reidy, que trabalharam sob a coordenação do francês Le Corbusier. O grupo, que recebeu quase dez vezes o valor pago a Archimedes pela vitória no concurso, criou o prédio que ficou conhecido como o marco da arquitetura contemporânea brasileira. Archimedes, furioso, escreveu uma carta para Getúlio Vargas, denunciando o episódio. Getúlio encaminhou para Capanema, que, por sua vez, mandou para seu chefe de gabinete, o poeta Carlos Drummond de Andrade. A carta foi parar nos jornais. Archimedes foi tachado, entre outras coisas, de retrógrado. "Meu avô ficou muito desiludido. A imagem pública dele foi denegrida. E tudo aquilo foi uma questão política. Pagaram duas vezes pelo mesmo trabalho. Hoje daria cadeia." O episódio acelerou a decisão de fechar o escritório. Archimedes passou a dedicar-se exclusivamente à vida acadêmica. Até o fim da vida, mantinha hábitos saudáveis. Não fumava nem bebia. Foi remador do Botafogo e lançador de dardo olímpico do Fluminense. Morreu aos 67 anos, em setembro de 1960, de acidente vascular cerebral (AVC), quando executava a sessão diária de exercícios físicos na "sala de banhos e ginástica", na sua casa, em Ipanema. Depois do livro, Péricles tenta agora levantar recursos para organizar uma exposição e recuperar todo o acervo do avô. "É uma forma de pagar o devido tributo a um dos maiores arquitetos e educadores do Brasil."

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