História
Uma guerra sem fim
Qual a utilidade de mais um livro de história da II Guerra Mundial?
A obra de Andrew Roberts tem a resposta
Bettmann/Corbis/Latinstock |
O PRAÇA E OS GENERAIS Hitler, que foi cabo na I Guerra, se achava superior a todo o estado-maior. Ninguémé louco impunemente |
Historiadores de guerra são itens mais ingleses do que os vasos de aspidistra nos jardins. Como as plantas, eles passam imutáveis, de uma geração à seguinte, escrevendo sobre os mesmos temas, sempre do indisfarçável ponto de vista da Inglaterra e do Ocidente. Ao contrário das plantas, eles acrescentam muito em substância e análise ao que ficou para trás. O mais extraordinário desses historiadores atualmente é Andrew Roberts. Aos 45 anos, o bravo e precoce pesquisador já escreveu sobre Napoleão Bonaparte, Lord Wellington, a batalha de Waterloo e a dinastia Windsor. Ele tentou e triunfou em sua própria História dos Povos de Língua Inglesa, livro homônimo de outro escrito por ninguém menos do que Winston Churchill. Roberts acaba de publicar uma nova história da II Guerra Mundial, um calhamaço de 712 páginas intitulado The Storm of War, ainda sem tradução para o português. O título revela a essência moral do livro: a revolta com a violenta destruição de vida e recursos trazida por uma guerra mundial.
Andrew Roberts havia antes esmiuçado as tensões latentes entre os chefes aliados (Churchill, Franklin Roosevelt, Dwight Eisenhower e sir Alan Brooke) e como eles as superaram convergindo para um único pensamento estratégico. Ele amplia o foco em The Storm of War, mantendo, porém, o admirável método de discorrer sobre os grandes fatos e os grandes homens revelando no percurso a fragilidade, a pequenez e a miséria que as guerras impõem a todos. Mas o diferencial a justificar a publicação dessa nova história da II Guerra está no acesso irrestrito e exclusivo que Andrew Roberts teve a arquivos de documentos e cartas até então mantidos lacrados por herdeiros desconfiados ou desinteressados de estudiosos, generais, políticos e outras figuras-chave do esforço de guerra aliado.
O livro de Roberts terá seu lugar assegurado na galeria dos relatos sobre a guerra pela franqueza, honestidade e desassombro das revelações e inferências constrangedoras para governos, países e pessoas envolvidas no conflito. Algumas delas:
• Os alemães entraram triunfalmente em Paris em 14 de junho de 1940. O primeiro invasor nazista só foi morto pela resistência, organizada por militantes comunistas, em junho de 1941 – ou seja, logo depois de as tropas de Hitler invadirem a União Soviética (22 de junho de 1941). Até então, comunistas e nazistas tinham um pacto e eram bons amigos.
• Mais franceses lutaram ao lado dos nazistas do que dos aliados.
• O governo de Vichy, vergonhoso arranjo administrativo da França ocupada, não era tão capacho quanto se pensa. Vichy prendeu e executou espiões alemães.
• A loucura racista de Hitler (que levou ao exílio os melhores cientistas judeus e alemães não nazistas) e seu convencimento de que era superior a seus generais em estratégia condenaram a Alemanha à derrota militar desde o começo.
Roberts defende o ataque nuclear ao Japão exatamente como foi executado pelos americanos – duas bombas lançadas sobre cidades populosas. A escolha de um alvo simbólico, diz ele, não teria assustado a obstinada casta dirigente militarista do Japão imperial, que só se renderia mesmo depois de a segunda – e última – ogiva americana ser jogada sobre Nagasaki.