Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, dezembro 04, 2008

Lula, a crise e os inimigos do povo: Rolf Kuntz


O Estado de S. Paulo - 04/12/2008

O presidente Luiz Inácio da Silva deveria denunciar de uma vez quem torce pela crise, quem odeia o Brasil, quem se opõe ao ingresso dos pobres nas universidades e quem deseja ver o povo passar fome. Não haveria como processá-los, mas valeria a pena expor seus nomes publicamente, para os bons cidadãos não serem mais enganados. Segundo o presidente, a torcida contra o País continua firme. Ele repetiu essa acusação num dos quatro discursos - quatro, sim senhor - feitos em Pernambuco, anteontem. “Vocês estão vendo na televisão que tem uma crise no mundo, uma crise causada nos Estados Unidos, e nós vamos mostrar para aqueles que querem que a crise chegue ao Brasil como nós vamos saber enfrentar essa crise e derrotá-la, para que o Brasil possa melhorar a vida do seu povo.” É isso aí. Se Lula falou, só duvidará quem tiver muita maldade no coração ou a mente perturbada pelo Maligno. Vade retro.

Ele não explicou por que um inimigo do povo, morando no Brasil, sendo presumivelmente um membro da “zelite” e interessado em ganhar dinheiro com seus negócios, desejaria ver a crise desembarcar por aqui. Mas esse é um detalhe desprezível. A turma da maldade sempre encontra motivo para torcer pelo pior. O presidente sabe das coisas.

Mas a sua fala, como a dos profetas e santos, nem sempre é fácil de entender. Pelo seu discurso, a crise ainda não chegou. Coisa estranha. Em outubro, segundo o IBGE, a produção da indústria foi 1,7% menor que em setembro. As vendas de carros caíram. Várias fábricas deram férias coletivas. A Volvo demitiu 430 funcionários em Curitiba. Numa pesquisa com 95 fábricas de autopeças, 46% informaram planos de redução dos investimentos programados para 2009 e 48% indicaram a intenção de manter. Investimento maior só em 6%.

E o noticiário ruim não vem só da área industrial. Avicultores anunciam a intenção de cortar 17,5% da produção, para reagir à queda de preços e à redução das vendas externas: a exportação de novembro, 220 mil toneladas, foi 27% menor que a de um ano antes. Essa tal de crise continua mesmo só lá fora?

Mas o governo vai tomar providências. O presidente prometeu. “Entre 2009 e 2010”, disse Lula ao povo de Olinda, “nós vamos inaugurar grande parte das obras do PAC. São R$ 504 bilhões.” Se ele prometeu, com certeza vai cumprir. Mas também vai ter de correr muito se não quiser inaugurar só obra de estatais. A maior parte do Programa de Aceleração do Crescimento (R$ 436 milhões) deve ser executada por empresas do governo e do setor privado.

O resto, R$ 67,8 bilhões, vai depender da execução do Orçamento-Geral da União pelo governo federal. Pelo realizado até agora, é difícil prever um grande resultado nos próximos dois anos. Até 18 de novembro, o governo só empenhou R$ 10,72 bilhões dos R$ 17,97 bilhões autorizados no orçamento. Das despesas previstas para o ano, só se executou uma fatia de R$ 2,53 bilhões. Do desembolso total, R$ 9,12 bilhões, mais de dois terços, R$ 6,74 bilhões, corresponderam a restos a pagar do exercício anterior.

A execução do orçamento total de investimentos, com R$ 42,32 bilhões previstos, também ficou longe da meta. Foram empenhados R$ 20,73 bilhões até 7 de novembro e pagos R$ 4,76 bilhões (além dos restos a pagar, é claro). O governo deve estar fazendo suspense, para dar uma arrancada sensacional nos próximos dois anos e deixar o povo boquiaberto.

Mas o presidente, em Olinda, também falou em saneamento e obras contra enchente, iniciadas, e ainda não concluídas, na zona do Canal da Malária.

Que não tenham sido concluídas, em Olinda, também não chega a ser surpresa. Estão previstos, no Orçamento federal, R$ 375,9 milhões para o programa de prevenção de desastres e preparação para emergências. Até dia 21 de novembro foram gastos R$ 97,8 milhões, 26% do total, e essa parcela inclui restos a pagar de 2007. Neste ano, o governo entregou a Santa Catarina R$ 2,4 milhões para obras preventivas. O triplo, R$ 7,4 milhões, foi destinado ao Estado, depois, por meio do programa de “resposta a desastres”. A rubrica poderia ser “resposta ao resultado da falta de prevenção”.

Deve haver um jeito de atribuir aos inimigos do povo, aos torcedores da crise, a responsabilidade pelo desastre de Santa Catarina e pela insuficiência das obras de contenção de encostas e de outras necessárias para a segurança ambiental. Talvez seja possível atribuir a esses mesmos inimigos a demora na execução do PAC e de outros programas de investimento. Entreguem um microfone ao presidente e ele dá um jeito.

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