"Há um ano, Carlos Rodrigues Junior, 15 anos, foi
morto sob tortura, dentro de casa, por seis policiais.
Todos estão soltos e ainda fazem parte da polícia"
A besta humana precisa ser contida em qualquer lugar. Em Nova York, em São Paulo, em Mumbai. Ela está à espreita em qualquer cidade, qualquer tempo, qualquer povo. Existe em médicos, pedreiros, padres, jornalistas, policiais. E precisa ser contida. A besta humana pôs a cabeça para fora no dia 15 de outubro numa estação de metrô em Nova York. Um policial capturou um rapaz de 24 anos que fumava maconha e sodomizou-o com seu cassetete retrátil. Foi um escândalo. O prefeito Michael Bloomberg teve de vir a público dar explicações sobre a aparente lentidão com que a polícia apurou o caso. (A investigação durou um mês e meio!) Disse que, no início, o caso não parecia tão óbvio como ficou depois. O governador foi instado a se explicar para que a besta não volte a atacar.
Nesta semana, faz um ano da morte de Carlos Rodrigues Junior, 15 anos. Ele foi assassinado de madrugada por seis policiais dentro de sua própria casa, em Bauru. A repercussão foi grande na época. Os policiais foram presos em flagrante. O governador José Serra veio a público condenar a "brutalidade inaceitável" e, num gesto exemplar, mandou indenizar a família da vítima, mesmo antes da decisão judicial. Queria mostrar que a besta humana tinha de voltar para a jaula.
Passado um ano, o que se tem? Os policiais, todos os seis, estão soltos. Os cinco praças foram libertados em abril. O oficial, um tenente, foi solto um pouco depois, no fim de junho. Estão afastados do serviço de rua, mas – um ano depois! – todos ainda integram a Polícia Militar. Não foram expulsos. O governador que mandou indenizar a família da vítima parece que estava mais interessado nos aplausos ao gesto exemplar do que na brutalidade da besta. Tanto que, no assassinato do mecânico Jorge Lourenço Junior, 22 anos, também cometido por policiais, também em Bauru e também no ano passado, a família não recebeu um centavo. O caso é tão descarado que a polícia, apesar de seu tradicional corporativismo, já expulsou os três matadores. É pena que o governador, pelo que se vê, não o tenha achado tão descarado assim. O certo é que o assassinato do mecânico, por alguma razão, repercutiu muito menos.
Isso tudo quer dizer que ninguém tem o direito de ficar surpreso se a polícia de Bauru se sentir autorizada a soltar a besta humana de novo. A de Nova York, não. O policial agressor logo irá a julgamento. Pode pegar 25 anos de cadeia. Se um policial nova-iorquino voltar a agredir alguém sexualmente, as conseqüências serão rápidas e severas. Houve um caso parecido há dez anos. Um imigrante haitiano foi detido e sodomizado dentro do prédio da polícia com um cabo de vassoura. O crime teve ampla repercussão e o policial pegou trinta anos de cadeia. Talvez por isso a besta tenha levado dez anos para reaparecer agora, no metrô de Nova York.
Seria um consolo pensar que a polícia passará dez anos sem matar ninguém em Bauru.