Entrevista:O Estado inteligente

sábado, agosto 23, 2008

Necessidades especiais Dora Kramer

Na pressa de reagir ao corte na farra da contratação de parentes imposto pelo Supremo Tribunal Federal, muita gente no Congresso se esqueceu de pôr a máscara da compostura antes de abrir a boca.

Resultado: começou a circular principalmente na Câmara a idéia de um projeto de lei para a instituição de um nepotismo mitigado, mediante o qual havia uma cota reservada à contratação de parentes em cargos de confiança nos três Poderes.

Parece brincadeira, fruto de um devaneio qualquer, mas trata-se da insolência - para não falar em descaramento - de sempre.

O Congresso se faz de morto, não toma nenhuma providência que signifique a subtração de "direitos adquiridos" sobre deformações velhas de guerra e, quando o Judiciário atua nesse vácuo, corre para ver se salva um pedaço das mazelas.

Nos últimos tempos isso tem sido recorrente: a Justiça põe e o Legislativo dispõe o que é possível.

No caso do nepotismo, no entanto, a ousadia ultrapassou qualquer limite. Tanto que muitos falaram, mas poucos tiveram coragem de assinar embaixo da proposta de cotas.

Desse grupo restrito faz parte o deputado José Carlos Aleluia, ex-líder do DEM. Defende cotas pequenas, talvez até de um parente só. "Não se pode nomear a família toda", pondera.

Aleluia acha a nova norma muito rigorosa. "Em cidades pequenas, por exemplo, são quase todos parentes uns dos outros", argumenta. Não seja por isso, submetam-se a concursos.

Seja um ou um milhão, o parente fere o princípio da impessoalidade estabelecido para a administração pública na Constituição e quebra o preceito da igualdade uma vez que não considera o mérito profissional como regra acima de todas as outras.

Se o instrumento das cotas já é questionável em alguns setores como garantia para a inclusão de minorias, o que dizer da aplicação do conceito à parentela de agentes públicos com acesso ao robusto naco de postos a serem preenchidos pelo critério único do arbítrio?

A prosperar tal entulho, familiares de poderosos deverão ser vistos como pessoas portadoras de necessidades especiais. No caso, necessidade de levar vantagem sempre que possível, de preferência com o dinheiro dos outros.

A boa notícia é que os presidentes da Câmara e do Senado não aceitaram abrir o debate a respeito da decisão do Supremo. O senador Garibaldi Alves mandou saber quem são os parentes a serem demitidos e começou pelo próprio sobrinho que, a rigor, nem deveria ter sido empregado na Casa.

O deputado Arlindo Chinaglia aplaudiu a decisão do STF e avisou que não põe em votação projetos para mitigar o nepotismo. "Será um erro político dramático", avalia.

Queira o bom senso que o passar do tempo, a saída do assunto do noticiário e as necessidades decorrentes da disputa pelas presidências da Câmara e do Senado daqui a seis meses não alterem posições.

De Minas

O juiz Marcos Flávio Lucas, do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais, não entende que o governador Aécio Neves infrinja a lei quando aparece no horário gratuito de televisão do candidato da coligação PSB-PT, da qual o PSDB não faz parte.

Dessa forma, o prefeito petista de Belo Horizonte, Fernando Pimentel, não seria avalista de uma ilegalidade por aparecer ao lado de Aécio no mesmo programa.

Para o juiz, não havendo candidato tucano no páreo, Aécio Neves está livre para participar.

Elegante, o governador envia mensagem para contestar análise em artigo de quinta-feira sobre o tema, sem tentar se escorar na decisão judicial.

Diz Aécio Neves: "O impedimento a que você se referiu objetiva coibir a infidelidade partidária. Penso que você se equivocou na análise sobre minha participação no programa de TV do candidato Márcio Lacerda. Tenho participado ativa, e publicamente, da campanha por estar convicto de que ajo dentro da legalidade. O apoio à candidatura foi aprovado em convenção municipal do PSDB, que não integra qualquer coligação na capital. Jamais o faria se houvesse impedimento da lei".

Tanto o juiz quanto o governador traduzem com liberalidade o artigo 54 da lei eleitoral, que diz o seguinte: "Dos programas destinados à propaganda eleitoral gratuita poderá participar qualquer cidadão não filiado a outra agremiação partidária ou a partido de outra coligação".

O governador é filiado a uma agremiação partidária e esta não faz parte da coligação. Aécio escolheu Márcio Lacerda e não quis formalizar a aliança para fugir aos efeitos legais do já esperado veto do PT nacional.

Mas sobrou artigo 54, que exclui os integrantes de um partido do rol dos legalmente credenciados a aparecer no horário reservado a outra legenda ou coligação.

Não proíbe o governador de apoiar quem quiser. Apenas não o autoriza a fazê-lo no programa gratuito de televisão.

Fosse tão liberal a legislação, a formalidade seria um dado secundário na construção de alianças eleitorais.

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