O Globo |
15/8/2008 |
Muito embora a secretária de Estado americana, Condoleezza Rice, tenha lembrado à Rússia que não estamos mais na época da Guerra Fria, o que está em jogo ali no Cáucaso é realmente o controle de antigas "zonas de influência" por parte da Rússia, assim como os Estados Unidos tentam manter o predomínio político conquistado em parte da região depois do fim da União Soviética. Alguém definiu o Cáucaso como "a América Latina dos russos", mostrando bem que, no mundo multipolar em que vivemos, ainda sobrevivem certas lógicas de um mundo bipolar onde União Soviética e Estados Unidos dividiam a hegemonia. Em análise publicada no número atual da "Foreign Affairs", uma das mais importantes revistas sobre política internacional, Rice diz que o relacionamento dos Estados Unidos com a Rússia tem sido testado "pela retórica de Moscou, pela sua tendência de tratar seus vizinhos com "zonas de influência" perdidas, e por suas políticas de energia, que têm claro tom político". Mas ela ressalta que a Rússia não é a União Soviética, "não é nem um inimigo permanente nem uma ameaça estratégica". Mas no mesmo artigo a secretária Condoleezza Rice toca no nervo da questão agora em jogo na Geórgia: a adesão de países do Leste Europeu, antigos satélites da União Soviética, à União Européia e à Otan, a Organização do Tratado do Atlântico Norte, organismo de colaboração militar criado na Guerra Fria reunindo países da Europa e os Estados Unidos, em contraposição aos países do bloco socialista do Leste Europeu. Dos atuais 28 membros da Otan, 12 são antigos satélites soviéticos, e Geórgia e Ucrânia são mais dois países querendo entrar na organização, o que a Rússia considera uma afronta. Condoleezza Rice, nesse mesmo artigo, traça uma diferença básica entre as relações dos Estados Unidos com a China e a Rússia e com os "aliados permanentes". Diz ela que as relações com esses dois países são baseadas mais em interesses comuns do que em valores comuns. Ao contrário, os "aliados permanentes" repartem os mesmos valores, especialmente a democracia. Ela destaca as relações com o Brasil e a Índia como sendo fundamentais entre os países emergentes e ressalta o sucesso do Brasil ao "usar a democracia e os mercados para amenizar séculos de perniciosa desigualdade social tem ressonância internacional". Com relação às Américas, ela destaca o fortalecimento de laços com países como Canadá, México, Colômbia, Brasil e Chile para estimular o desenvolvimento da democracia no continente. E diz que "juntos, estamos nos defendendo contra traficantes de drogas, gangues criminosas e os poucos governos autocráticos no nosso hemisfério democrático". Uma referência indireta ao Plano Colômbia, em contraposição a governos de esquerda da região, especialmente o de Hugo Chávez na Venezuela, que assume o papel de líder do antiamericanismo na região e tem feito movimentos em direção a países como o Irã e a Rússia. Esses acordos representam alianças, inclusive militares, que envolvem itens estratégicos, principalmente na área de energia, que podem se transformar em complicadores políticos. É dentro desse contexto, com o rearmamento da Venezuela com compras milionárias no mercado internacional, especialmente na Rússia, que é possível analisar o recente restabelecimento da 4ªFrota americana no Atlântico Sul. O professor David Samuels, brasilianista da Universidade de Minnesota, considera ainda inexplicada a reativação da frota regional, atribuindo a decisão mais a um estilo agressivo de política externa da gestão Bush do que propriamente a uma intenção específica. "O interesse dos Estados Unidos continua centrado no Oriente Médio e no livre fluxo de petróleo", diz ele, sem dar muita importância estratégica ao suprimento de petróleo que a Venezuela manda aos Estados Unidos, cerca de 20% de seu consumo. "A Venezuela não tem muitas opções", diz ele. Para Samuels, o mais provável é que o deslocamento da frota americana tenha a ver com o combate ao tráfico de drogas, que estaria usando mais os rios, e até mesmo submarinos, para levar drogas para os Estados Unidos. Já para Francisco Carlos Teixeira, professor de História Contemporânea da UFRJ, trata-se claramente de uma reafirmação da política "musculosa" de Defesa: "Em vez de convidar os países para discutir suas percepções e considerações sobre Defesa e Segurança, sai na frente e isolado em direção a uma opção puramente militar". Do ponto de vista militar, o ressurgimento da 4ª Frota conjuga-se perfeitamente, diz ele, com a criação, no fim de 2007, do AfricaCom - ao lado dos demais "Comandos", como o CentCom, o PacCom (Oriente Médio e Pacífico ). Afinal, lembra Francisco Carlos, "a África é um continente atlântico e com importantíssimos jazimentos de petróleo no chamado Triângulo de Ouro, na Nigéria, no Gabão e em Angola, com chances de substituir, num eventual futuro, ou mesmo numa crise, a produção do Oriente Médio". Mesmo as recentes descobertas de grandes campos de petróleo no Brasil poderiam ser objeto de cobiça de uma pouco provável ação militar dos Estados Unidos em nossas costas. Foi por esse raciocínio conspiratório que o presidente Lula pediu satisfações ao governo americano sobre o ressurgimento da 4ª Frota. Por outro lado, caso a crise do Irã evolua em direção a uma ação punitiva, os EUA precisariam ter o controle completo do abastecimento próprio de petróleo. Nesse cenário, o Golfo Pérsico com certeza seria fechado, diz Francisco Carlos, sem previsão de tempo, dependendo da capacidade de reação dos persas, em especial da capacidade de fecharem o Estreito de Ormuz e da destruição de terminais e campos com mísseis. Neste caso, a Venezuela e a África são estratégicos. Seja para combater o tráfico de drogas, seja para o eventual controle militar de uma região que pode vir a ser estratégica numa crise de petróleo mundial, seja pelo próprio redesenho geopolítico do novo mundo multipolar, a América Latina está novamente na esfera de interesses dos Estados Unidos, da mesma maneira que o Cáucaso está na da Rússia. |
Entrevista:O Estado inteligente
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