O Globo |
20/8/2008 |
Embora não tenhamos até o momento nenhuma prova de fraudes em eleições com votação eletrônica, é de preocupar a mera possibilidade de que os traficantes que dominam os morros cariocas já dominem também uma tecnologia que seja capaz de violar o sigilo das urnas nas próximas eleições municipais. A declaração do presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Carlos Ayres Britto, de que nosso sistema de urnas eletrônicas é inviolável e que as ameaças dos bandidos não passam de "blefes" e "bravatas" é tranqüilizadora, mas em todo o caso seria bom que fossem tomadas medidas adicionais de segurança, pois a inviolabilidade total dessas máquinas não é tecnicamente comprovável. Aqui nos Estados Unidos, desde a crise política da tumultuada contagem de votos na Flórida que deu ao presidente Bush uma vitória definida pela Suprema Corte e até hoje considerada no mínimo discutível, há uma tendência de aumentar os investimentos para o uso de votação eletrônica e, ao mesmo tempo, um terrível temor de que esse sistema possa ser desvirtuado. Nos Estados Unidos não há uma uniformidade nos tipos de urnas, já que cada condado (região formada por pequenas cidades) pode escolher o tipo de voto. Nas últimas eleições de 2006, cerca de 48 milhões de eleitores, representando 30% dos registrados, usaram a urna eletrônica. Para a eleição presidencial, esse número já está estimado em aproximadamente 40% dos eleitores. O aumento do uso de urnas eletrônicas deve-se principalmente à legislação aprovada em 2002, no rastro das seqüelas políticas da eleição presidencial de 2000, que destinou uma verba de mais de U$3 bilhões para compras de equipamentos e modernização do sistema eleitoral, que ainda é feito em grande parte em cartões perfurados e cédulas escaneadas. Pela legislação em vigor, as urnas devem ter cópias em papel da votação, que podem ser utilizadas em caso de recontagem. Ao mesmo tempo em que as urnas eletrônicas estão sendo utilizadas mais amplamente, muitos problemas técnicos surgem, e até mesmo nas últimas primárias os dois partidos registraram erros. Um caso famoso foi o do condado de Tarrant, no Texas, onde máquinas fabricadas pela Hart InterCivic contaram alguns votos, em determinadas situações até seis vezes mais, totalizando mais de 100 mil votos "fantasmas". O problema foi atribuído a um erro técnico de programação, e não ao trabalho de algum "hacker". No Colorado, por exemplo, a firma responsável pelas máquinas de votar foi desabilitada depois que ficou comprovado que elas podiam ser alteradas e apresentavam erros de contagem. O estudo mais famoso sobre vulnerabilidade no sistema de votação eletrônica é um realizado em 2004 pelo Centro para Política de Informação Tecnológica, do departamento de Ciência do Computador da Universidade de Princeton. Eles analisaram o modelo de urna eletrônica Diebold AccuVote-TS, da fábrica Diebold, que hoje é a proprietária da firma brasileira que criou o modelo de urna eletrônica que está em uso no Brasil. O estudo de Joseph A. Calandrino, J. Alex Haldeman e Edward W. Felten criou em laboratório um software capaz de roubar votos em uma urna eletrônica e de espalhar um vírus para outras urnas, contaminando-as com o mesmo poder de alterar o resultado de uma eleição. Embora os representantes da firma Diebold tenham alegado na ocasião que aquele modelo não estava mais em uso, tendo sido substituído por outros, mais modernos e seguros, eles não aceitaram submeter ao laboratório de Princeton esses novos modelos, alegando questão de segurança. Ao mesmo tempo, admitiram indiretamente que as antigas urnas, que já haviam sido usadas em eleições passadas, poderiam ser vulneráveis. Várias outras auditorias independentes encontraram problemas com as urnas eletrônicas em diversos estados do país. Em Maryland, vários defeitos foram verificados, mas a auditoria não desclassificou o uso das máquinas. Auditoria da Califórnia examinou os sistemas Diebold Elections Systems, Hart InterCivic e Sequoia Voting Systems, permitindo o uso nas eleições, mas exigiu mudanças e maior controle.Testes revelaram que um vírus poderia ser introduzido em qualquer um dos modelos de urnas, podendo se espalhar por toda a região de votação. A questão é tão discutida que Ronald L. Rivest, um cientista do Massachusetts Institute of Technology, e o matemático e advogado especialista em eleições Warren D. Smith propuseram uma complicada solução: cada eleitor, ou pelo menos um bom número deles, receberia aleatoriamente um papel após a votação, com um número de registro de um voto, sem que fosse o seu, naturalmente. Os registros de todos os votos computados seriam colocados em um sítio na internet, e todos os eleitores que receberam o comprovante poderiam constatar se o número correspondente àquele voto foi contabilizado. Seria uma maneira de colocar os cidadãos como os fiscais da lisura da eleição. Uma combinação de alta tecnologia com o papelzinho, que o falecido Leonel Brizola tinha como grande reivindicação, que confere credibilidade à eleição mesmo nos tempos mais avançados tecnologicamente. Ou até mesmo por isso. |
Entrevista:O Estado inteligente
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