O Estado de S. Paulo |
15/8/2008 |
A ofensiva do Supremo Tribunal Federal contra arbitrariedades cometidas no curso de investigações policiais não se esgota em decisões como a restrição ao uso de algemas em presos nem na criação de normas para controlar autorizações judiciais às escutas telefônicas. Com esses gestos, o STF atua na parte que lhe cabe. Faz, como diz o presidente do Tribunal, ministro Gilmar Mendes, a “pedagogia dos direitos fundamentais junto à magistratura”. Mas, na visão dele, não basta que o Judiciário contenha os seus radicais se o Executivo não se propuser a conter os dele e o Legislativo não aderir, modernizando as leis. Quando esteve com o presidente Luiz Inácio da Silva em julho, no auge do mal-estar público com a Polícia Federal por causa da Operação Satiagraha que prendeu o banqueiro Daniel Dantas, Gilmar Mendes apresentou a Lula uma série de providências necessárias para conter o que chama de “anarquia institucionalizada”. Falou ao presidente da República sobre a urgência de uma remodelação legislativa - incluindo novos instrumentos para coibir o abuso de autoridade e a mudança da lei de interceptações, criada em 1996, mas já superada pelo avanço da tecnologia -, reiterou a importância do apoio dele junto ao Parlamento e deixou claro que ao Executivo caberia conter os excessos da polícia sob seu comando. Relatado o problema no Planalto, Gilmar Mendes foi cuidar de sua seara. Presidente do Conselho Nacional de Justiça, propôs que o CNJ - o chamado “controle externo” do Judiciário - preparasse a resolução que obriga os juízes de primeira instância a prestarem contas das autorizações concedidas à polícia para interceptar conversas telefônicas. As normas devem ficar prontas até o fim do mês. Os juízes não serão subtraídos de nenhuma de suas funções nem terão suas ações restritas, até porque o CNJ não pode interferir em decisões judiciais. Mas como pode, e deve, atuar para corrigir procedimentos, passará a obrigar os juízes a registrarem, com justificativa, todas as autorizações concedidas. Com isso, em caso de abusos, conivência ou mesmo displicência funcional nas liberações dos “grampos”, o CNJ poderá punir os responsáveis. A idéia surgiu a partir da constatação da cúpula do Judiciário de que a “anarquia” nos meios e modos de se investigar crimes no Brasil - hoje quase exclusivamente baseados nas escutas telefônicas, legais e ilegais - vai se transformando numa grave ameaça aos fundamentos democráticos. Segundo a avaliação predominante, houve uma aceleração da ocorrência de abusos a partir do momento em que a Polícia Federal “cresceu” aos olhos da opinião pública, incentivada por uma lógica justiceira politicamente conveniente ao governo. Cinco anos e meio de sucessivas operações espetaculares (muitas absolutamente dentro das balizas da lei) depois, a PF começou a ultrapassar as fronteiras da conduta conveniente a uma instituição a serviço do Estado e passou a agir como um poder independente ungido de todas as prerrogativas em nome da guerra contra o crime. Notadamente os de colarinho branco. Ainda conforme análise feita nos debates do CNJ, a Polícia Federal está conseguindo impor sua dinâmica de atuação ao Ministério Público e à Justiça porque suas operações contam com o apoio da opinião pública, compreensivelmente satisfeita com a visão quase cotidiana de prisões de “gente bem” (todas soltas logo depois). As cenas talvez reduzam a sensação de impunidade generalizada e certamente prestam um grande serviço às boas intenções. Mas no meio disso há a lei que, na percepção preponderante no STF, começou a ser ignorada por agentes do Estado e, não raro, com a concordância de juízes e procuradores. A situação estaria caminhando, pois, para o perigoso terreno da oficialização de um “paladinismo” que pode conquistar aplausos de imediato, mas abre caminho para o retrocesso institucional porque pressupõe a prevalência de uma força sobre todas as outras circunstâncias. No fim, saem todos no prejuízo. Inclusive quem alimentou o monstro. Ou o governo que tantos dividendos políticos tirou das ações da PF está muito satisfeito de ver o chefe de Gabinete do presidente da República (Gilberto Carvalho) e um petista que já foi o candidato do partido a presidente da Câmara (Luiz Eduardo Greenhalgh) expostos em praça pública nos grampos da Satiagraha? Esse tipo de trajetória demora a ser percebido pela população, cuja tendência é ficar contra quem contraria suas expectativas. Em geral, o alvo errado. Ocorre agora mesmo. A polícia prende ao arrepio da lei, a Justiça manda soltar em observância à lei e fica com a pecha de inimiga pública. Péssimo para o Estado de direito. Em tempos de Legislativo desmoralizado e Judiciário mal conceituado, a celebração ao Executivo resulta em Estado autoritário. |
Entrevista:O Estado inteligente
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sexta-feira, agosto 15, 2008
Dora Kramer - Controle de radicais
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