ARTIGO - Alexandre Barros |
O Estado de S. Paulo |
14/8/2008 |
Na campanha eleitoral de 1945 Churchill advertiu, parafraseando Friedrich Hayek, que não era possível haver um Estado socialista sem uma polícia política. Ela existiu principalmente, mas não somente, em Estados socialistas e teve vários nomes: Gestapo, KGB, Stasi, DOI-Codi, Oban, Dops, Dina e muitas outras siglas. O que todas as polícias políticas têm em comum é que seu poder é muito menor do que as pessoas de uma sociedade pensam. E essas polícias só acabam triunfando e adquirindo o imenso poder que acabam tendo porque as pessoas sempre acreditam que elas são mais poderosas do que, na realidade, são. O filme recente A Vida dos Outros mostra a situação de maneira bastante clara. Há um outro dado que é fundamental para o domínio da polícia política sobre uma sociedade: seu poder burocrático autônomo. Todas elas começam com o apoio dos governantes, mas rapidamente passam a crescer dentro de si mesmas com uma dinâmica própria, desenvolvendo interesses próprios. E, na medida em que os membros da polícia política sabem dos podres de todos, inclusive dos governantes, eles começam a contar com o medo, o silêncio e a cumplicidade passiva de todos. No Brasil dos anos de chumbo foi a “tigrada”. Quando o presidente Ernesto Geisel visitou São Paulo em 1975, não sabia se podia contar com a lealdade do Exército, do qual era comandante-chefe. Naquela ocasião, ou quando da morte de Manoel Fiel Filho e Vladimir Herzog, seu irmão, o general Orlando Geisel, o teria aconselhando sobre como tratar o então comandante do II Exército: “Demita com humilhação.” Não importa quando foi dita a frase, mas sim a sua essência: é intolerável que um poder policial cresça mais até que o do ditador. Um dia vieram e levaram os sindicalistas, e eu não disse nada porque não era sindicalista. Depois levaram os comunistas, e eu não disse nada porque não era comunista. Depois vieram e levaram os judeus, e eu não disse nada porque não era judeu. Então, eles vieram e me levaram, e aí não sobrara ninguém para dizer nada. O dito, atribuído a várias pessoas, mostra como as pessoas se vão intimidando, permitindo o crescimento autônomo das polícias. Burocracias, de quaisquer tipos, crescem por si mesmas e adquirem interesses próprios, desligados das razões para que foram criadas, ou até mesmo de seus dirigentes. Passam a operar buscando seus próprios objetivos. Isso é mais grave com as polícias porque elas têm o monopólio do gerenciamento da violência. Estamos com problemas sérios de segurança pública no Brasil. Quem comete o crime tem medo da polícia - ou é da polícia. Quem é vítima do crime tem medo de quem comete o crime e tem medo da polícia. Todos estão com medo. A repressão aos crimes ocorridos, ou alegadamente ocorridos, no âmbito dos grupos de renda mais baixa é brutal. A pena de morte existe no Brasil, sim, e é aplicada com maior intensidade numérica do que em qualquer outro país onde ela é legal e controlada pelo Estado. Aqui ela foi privatizada, seja para quem encomenda a morte de um desafeto, seja para a própria polícia que mata quem a incomoda. Já vêm sendo dados estes passos há muito tempo. As pessoas, sobretudo os pobres, têm medo da polícia porque sabem que ela mata mesmo, e não acontece nada. De algum tempo para cá a polícia começou a prender os ricos e poderosos. As pessoas aplaudem, quer porque a polícia esteja certa, quer porque há um prazer secreto em ver alguém poderoso sendo preso e algemado. No Brasil existe o instituto da prisão especial, por uma razão muito forte: a elite brasileira sabe a polícia que tem e gosta que ela seja assim. Criou, no entanto, a prisão especial para quem tem curso universitário. Só que agora esse privilégio já está incomodando, inclusive a elite: muito pobre está conseguindo terminar o curso universitário. Ainda não acharam uma saída. A classe alta não que ser algemada. Enquanto algema era só para pobres, pretos e prostitutas, ninguém se preocupava muito com o assunto. De repente virou o tema do dia: todos discutindo se se deve algemar as pessoas ou não. Ser preso e fotografado algemado, sobretudo quando a polícia convoca a mídia para a execração pública, virou uma preocupação dos poderosos. Sempre fez parte da vida dos pobres e sem poder. Só não saía na mídia. Culpados ou não, pobres e ricos têm direitos legais iguais. Na prática, contudo, a teoria era diferente. Mas a democracia chegou aos ricos sob a forma das algemas e da execração. Fica, porém, uma pergunta essencial: quem pagará a Daniel Dantas ou a Eike Batista, se eles forem inocentados, pelos bilhões de reais de prejuízo que tiveram porque foram execrados em público? É sempre bom lembrar que 90% do capitalismo depende da confiança nos capitalistas. Essa é a pergunta que não se está fazendo, da mesma maneira que não se fez quando os moços do Morro da Providência foram entregues por militares do Exército num morro rival para “levar um susto”. A pergunta vira importante quando um senador da República aparece citado pela polícia autônoma como um possível crápula. Uma pessoa que viveu por muitos anos a menos de 50 passos de ditadores e presidentes me disse, há muito tempo, que há uma coisa que não se deve fazer em épocas de golpes ou revoluções: destruir os arquivos da polícia política. Eles serão sempre úteis, basta ler as informações com os sinais trocados. Alguns dizem que Churchill perdeu as eleições britânicas de 1945 depois de ganhar a 2ª Guerra Mundial por ter feito o seu “discurso Gestapo”. Talvez esteja faltando alguém que se disponha a perder uma eleição para denunciar a situação que está cada dia mais ficando fora de controle, muito perto de chegar à Stasi. |
Entrevista:O Estado inteligente
- Índice atual:www.indicedeartigosetc.blogspot.com.br/
- INDICE ANTERIOR a Setembro 28, 2008
quinta-feira, agosto 14, 2008
Churchill, o Brasil e o 'discurso Gestapo'
Arquivo do blog
-
▼
2008
(5781)
-
▼
agosto
(540)
- DRAUZIO VARELLA Fumantes passivos
- FERREIRA GULLAR
- DANUZA LEÃO
- Petropopulismo
- Demétrio Magnoli,Fragmentos de socialismo
- A força da gente Miriam Leitão
- O urso não deve ser provocado LUIZ FELIPE LAMPREIA
- O troco republicano Merval Pereira
- A solas con Néstor Kirchner Por Joaquín Morales Solá
- El cambio que quieren los Kirchner Por Mariano Gr...
- João Ubaldo Ribeiro
- Daniel Piza
- DORA KRAMER Polícia de boa vizinhança
- Boas notícias e desafios para o Brasil Alberto Ta...
- ''A riqueza do pré-sal depende do tamanho dos inve...
- A maldição do petróleo Maílson da Nóbrega
- A química ruim de Yunus Suely Caldas*
- McCainomics Celso Ming
- Os estragos do câmbio
- Privatização em São Paulo
- Linha direta entre Lula e FHC evitou pedido de imp...
- Augusto Nunes-SETE DIAS
- INVASÃO DE PRIVACIDADE
- China: medalhas e exportações
- Custo do pré-sal pode passar de US$ 1 tri
- RUY CASTRO Do noticiário
- Miriam Leitão Sonho americano
- Merval Pereira - Uma disputa estratégica
- Celso Ming,Melhor do que o previsto
- Dora Kramer Virtudes democráticas
- São Paulo acessível Mauro Chaves
- Meta fiscal versus meta de inflação
- O risco Argentina
- Preconceito no caminho de Obama
- VEJA Carta ao leitor
- VEJA Entrevista: James Roberts
- Diogo Mainardi O Eddie Murphy político
- Lya Luft O que valem as medalhas?
- Radar
- Gustavo Ioschpe
- J.R. Guzzo
- MILLÔR
- Especial Dilema eterno da humanidade: perdão ou ...
- A desforra via internet
- Memória Olavo Setubal
- Os efeitos da insônia na saúde dos adolescentes
- Traje motorizado permite a paraplégicos andar
- Tecnologia O Brasil ficou para trás em inovação
- EUA Barack Obama é aclamado candidato à Presidência
- Aborto A interrupção da gravidez de anencéfalos ...
- Petróleo O início da exploração das reservas do ...
- Espionagem A prova de que Gilmar Mendes foi gram...
- Tomara que ela acerte
- As dicas dos campeões do vestibular
- O brasileiro adere em massa às motocicletas
- O rei do chocolate
- Os esquecidos da bossa nova
- Hellboy II, de Guillermo del Toro
- Linha de Passe, de Walter Salles e Daniela Thomas
- Livros Dois autores israelenses contemporâneos
- O momento de Beatriz Milhazes
- VEJA Recomenda
- A reforma política de Lula editorial O Estado de ...
- Índio não quer mais só apito - João Mellão Neto
- Celso Ming - Cadê a recessão?
- Dora Kramer - Trocando em miúdos
- Míriam Leitão - A conta do estouro
- Merval Pereira - Sem novidades na AL (O Globo)
- Clipping 29/08/2008
- OS bons selvagens exploram garimpo ilegal? Estou c...
- JOÊNIA MORENA, JOÊNIA, VOCÊ SE PINTOU...
- clipping de 28/08/20008
- Resultados fiscais e reforma contábil editorial O...
- Perigosa recaída O GLOBO EDITORIAL
- Outro mundo EDITORIAL O Globo
- A soberania em juízo editorial O Estado de S. Paulo
- A despolitização da tortura
- Valdo Cruz - Tentações
- Míriam Leitão - Ajuste de contas
- Merval Pereira - Razão x emoção
- Dora Kramer - Uso do cachimbo
- Clóvis Rossi - Eleição x coroação
- Celso Ming - Despencou
- Alberto Tamer - Depois da festa, a economia
- RAPOSA SERRA DO SOL: ENTRE A REALIDADE E A MISTIFI...
- Twenty-Two Years in Castro's Gulag
- Míriam Leitão - Hora do ataque
- Merval Pereira - A raça como pano de fundo
- Dora Kramer - Desde a tenra infância
- Celso Ming - Até onde vai este rali
- Mais a sério- Ruy Castro
- Garibaldi foi à forra- Villas-Bôas Corrêa
- Porque Obama parece vulnerável
- Pré-sal trouxe até agora muito calor e pouca luz
- O Congresso na 'extrema-unção' editorial O Estado...
- Mais confusão no pré-sal editorial O Estado de S....
- Clipping do dia 27/08/2008
- Clipping do dia 26/08/2008
- Ruim é o gasto, não a conta
- MIRIAM LEITÃO - O mal já feito
-
▼
agosto
(540)
- Blog do Lampreia
- Caio Blinder
- Adriano Pires
- Democracia Politica e novo reformismo
- Blog do VILLA
- Augusto Nunes
- Reinaldo Azevedo
- Conteudo Livre
- Indice anterior a 4 dezembro de 2005
- Google News
- INDICE ATUALIZADO
- INDICE ATE4 DEZEMBRO 2005
- Blog Noblat
- e-agora
- CLIPPING DE NOTICIAS
- truthout
- BLOG JOSIAS DE SOUZA