Grau de investimento é uma cereja no bolo de melhorias reais, mas agências de risco são retardadas e erram muito |
ATÉ ONTEM , investir no Brasil era considerado atitude de especulador, segundo as agências de classificação de risco de calote. Agora, o Brasil é "investment grade", ao menos segundo a S&P. É melhora tardia na nota, pois as agências, depois de tantas lambanças, estavam receosas de dar um, digamos, 7,5 no boletim financeiro do país.
De objetivo e inegável, investidores importantes, proibidos por leis, contratos ou estatutos de investir em papéis "junk" (podres) e/ou esquisitos e de histórico caloteiro, agora podem colocar dinheiro diretamente no Brasil. Isso tende a baratear o financiamento externo de empresas (por meio de ações ou dívida), em especial das médias para baixo. No outono da euforia, o dólar pode cair mais. No médio prazo, o governo pode pegar empréstimos algo mais baratos no exterior. Isso se não piorarem as condições econômicas externas e internas.
Isto posto, pondere-se o seguinte. Presente imediato: na terça-feira, o governo pagava 14% de juros ao ano para pegar empréstimos com duração de uns dois anos, com taxa prefixada (a taxa "básica" do Banco Central está em 11,75%).
Ou seja, o Brasil, no piso do "investment grade", nível de vários países obscuros, paga os juros mais altos do mundo para financiar sua dívida e acalmar os mercados, que ainda pedem "prêmio" (juro extra) por medo de a inflação sair do controle.
Passado mais que imperfeito: em 1998, a Rússia era investimento mais seguro que o Brasil. Deu o calote que deu na crise que ajudaria a arrebentar o real, em 1999. A Argentina era investimento mais seguro que o Brasil meses antes de seu calote de 2001. Tailândia, Malásia e Indonésia, estopins da crise de 1997, eram queridas das agências de classificação de risco. O México, que há anos é grau de investimento, parte do Nafta etc., cresce a taxas medíocres. Último e muito importante, as "três irmãs", S&P, Moody's e Fitch, davam as notas mais altas para os papéis imobiliários que detonaram a crise americana, papéis que ajudaram a "estruturar", sendo cúmplices ativas da lambança bancária.
Ou seja, "investment grade" não diz muito sobre o futuro de algumas ilusões financeiras. Em geral, as agências de risco chegam no final das batalhas. Comemoram as vitórias, a melhoria da capacidade de pagamento de dívidas de países e empresas, melhoria que, no entanto, já havia sido percebida muito antes por investidores mais sagazes e intrépidos (como os que já vieram em massa para o Brasil). Ou chegam depois das derrotas para matar os feridos, derrubando avaliações de crédito que todo mundo já sabe podres e piorando a situação dos devedores.
De fato, o estado das finanças do Brasil é muito melhor que o de 2002. Deu-se cabo da "dívida eterna", a dívida externa. Há controle, ainda precário, da dívida pública interna. Importante, o país cresce e abandonou idéias doidas sobre calotes e inflação. Mas, para financiar seus gastos e sua dívida, o governo paga juros indecentes; a cada ano, cobra um extra de impostos sempre maior que o extra de produção econômica. Fazer negócios aqui ainda é um inferno burocrático, a desigualdade social é das dez piores do mundo, e o país ainda depende muito da bonança externa para sair da lama.
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