Entrevista:O Estado inteligente

domingo, maio 18, 2008

Villas-Bôas Corrêa O escorregão na duplicidade

Nos ditosos cinco anos e quatro meses e meio dos dois mandatos, não há lembrança de outro episódio em que fosse tão evidente o constrangimento do presidente Lula, ao tatear na busca de palavras, sem saber onde botar as mãos para tentar a impossível explicação para o pedido de demissão da ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, que o pegou de surpresa, desmanchando a manobra, em plena execução, da mudança de rumo na política ambiental do governo.

Inútil apelar para o velho truque de aliviar a dentada soprando a carne maltratada. E não se ganha jogo vestindo a camisa dos dois times. Desde os primeiros esbarrões no primeiro mandato que a contradição ficou à mostra: a ministra Marina Silva, com a sua biografia de militante na guerrilha entre os defensores da preservação ambiental e os madeireiros, ruralistas e plantadores de soja, que reverenciam a motosserra como o símbolo do desenvolvimento redentor da Amazônia, era uma referência para a credibilidade da imagem do governo no cenário internacional. O debate em todos os plenários do mundo sobre a crescente preocupação com o futuro, cada vez mais ameaçado com a devastação das reservas florestais, sempre incluía na agenda as denúncias sobre os índices assustadores das derrubadas na vastidão abandonada da Amazônia. E a defesa da ministra Marina Silva era ouvida com atenção.

Mas, no correr do tempo, o governo do presidente Lula escorregou em muitas encrencas, com o PT atolado até o gogó em todos os escândalos que geraram CPIs – desde o mensalão, para a cooptação de parlamentares para garantir apoio no Congresso, ao caixa 2 para o financiamento das campanhas milionárias e a praga da roubalheira contaminando os correios, a compra de ambulâncias com superfaturamento astronômico e a sujeira miúda a escorrer pelos ralos da corrupção. O desmonte do PT, com a desqualificação da maioria de seus líderes, aprofundou os atritos com Lula. Nas ocasiões festivas das convenções, o rapapé do improviso do obsessivo orador. No governo, a peneira fina separou o trigo escasso da praga do joio incontrolável.

Lula desapertou para o centro, acertando as contas com o sempre disponível PMDB de todos os governos e a goela faminta para abocanhar fatias do bolo, ainda que rançoso. No arrastão, legendas menores ocuparam os tamboretes nos extremos da mesa. Da imagem do governo, muitos símbolos foram substituídos. Se a esquerda não tinha força para sustentar o governo no macacão do seu berço nas greves lideradas pelo torneiro mecânico Lula, o peso tombou para o centro. Com espaço sobrando no latifúndio do maior ministério de todos os tempos, nas autarquias com os cofres abarrotados, o governo da reeleição buscou o equilíbrio com uma perna em cada lado.

Abriu o cofre da velha senhora para adubar a fidelidade dos novos e antigos parceiros. Na véspera da campanha municipal para a eleição de prefeitos e vereadores, Lula entrou no forró com a charanga do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), pacote que juntou às pressas obras em marcha lenta com outras improvisadas para justificar a descarada campanha fora do prazo legal. Na recauchutagem do modelo do governo para tamponar os buracos e abrir espaço para os aderentes, Lula espalhou escoras por todos os lados. Na faixa popular em que é imbatível, com índices recordistas de aprovação, o Bolsa Família e outros mimos amarram a gratidão do povão. O PT que escapou das CPIs e da Justiça também está muito bem atendido. Só a Petrobras vale por 10 ministérios.

A demissão da ministra Marina Silva é um aviso aos desatentos. E a reação dos ambientalistas em todo o mundo mostra que a militância está atenta e muito bem informada. A escolha do novo ministro, o veterano militante verde Carlos Minc, foi bem recebida pelos dois lados, com as reservas de praxe. O novo ministro joga a cartada da sua vida. Com sua experiência sabe que não pode contentar ao mesmo tempo os ruralistas plantadores de soja, criadores de gado, madeireiros e os seus antigos companheiros de militância na defesa do meio ambiente.

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