Entrevista:O Estado inteligente

sábado, maio 10, 2008

VEJA Entrevista: Tom Ford


De peito aberto

O estilista que reergueu a Gucci e agora volta
com uma grife masculina acha que nunca faltarão
clientes para marcas ultra-exclusivas


Bel Moherdaui

Nigel Parry/Divulgação

"Eu me aposentei, comprei tacos de golfe e passei a jogar tênis todos os dias, mas me entediava em três segundos"

Gucci era uma marca decadente, com muito passado e nenhum futuro, quando o americano Tom Ford, 46 anos, assumiu o departamento de criação, em 1990. Em catorze anos, Ford comandou um dos maiores fenômenos de, como se diz no jargão do ramo, reposicionamento no mercado. De produtos de couro, finos mas superados, a marca evoluiu para uma moda feminina exuberante e vendedora. Quando a empresa foi comprada por um grande conglomerado, o bonitão e exigente Ford brigou, saiu e se trancou em suas várias casas, deprimido, como confessa nessa entrevista. A partir daí, o mundo da moda ficou alerta, esperando a próxima tacada de Tom Ford. Contrariando as expectativas, ele ressurgiu com uma grife masculina, vendida em uma loja de cair o queixo em Nova York, além de outros dois pontos-de-venda mundo afora. No fim deste mês, Ford vem ao Brasil inaugurar o quarto, dentro da butique Daslu, em São Paulo. Da fazenda em Santa Fé, no estado do Novo México, uma das três casas que divide com Richard Buckley, companheiro de 22 anos, Ford falou a VEJA sobre seus negócios e suas camisas eternamente desabotoadas.

Veja – Qual a diferença entre fazer roupas para homens e para mulheres?
Ford – Para um criador, fazer uma mesa ou uma cadeira é igual. O processo de criação é o mesmo. Começo pensando naquilo que não quero mais ver e no que eu quero, mas ainda não existe. Sou um criador nato. Se me deixarem sozinho cinco minutos numa sala, mudo a mobília toda de lugar. Resolvi voltar e fazer moda masculina justamente porque não conseguia achar o que eu queria. Faço um misto de roupa sob medida e produto industrializado, uma coisa totalmente nova para homens. São roupas clássicas, dirigidas somente para a camada mais alta do público. Por outro lado, a roupa masculina não muda tanto quanto a feminina, o que de certa forma restringe a capacidade de fazer coisas interessantes. As mulheres estão acostumadas à rapidez com que a moda muda e aceitam as mudanças muito facilmente. A roupa masculina é mais uma questão de detalhes, de corte, de tecido, de qualidade.

Veja – O Brasil é exatamente um dos lugares onde os homens não se inclinam a adotar certas tendências do momento, como ternos bem justos e camisas de outras cores que não branco e azul. Qual sua estratégia de venda aqui?
Ford – Eu crio para o mercado internacional e há um tipo de consumidor na ponta mais alta que é muito sofisticado. Minhas coleções se encaixam num novo estilo internacional, para homens e mulheres muito chiques, pessoas sofisticadas que viajam para Londres, Nova York, Paris, Tóquio. A vida dessas pessoas é muito parecida, onde quer que estejam. Acho que vai ser a solução perfeita para o homem brasileiro adaptado a esse estilo.

Veja – Sua loja em Nova York é tão luxuosa que pode intimidar o consumidor comum. A intenção foi essa mesmo?
Ford – Não acho que intimide, embora algumas pessoas achem. A loja é linda. As ambientações são luxuosas, mas o serviço é muito amistoso. Qualquer um que entra na loja é muito bem tratado, como se visitasse a casa de alguém. Até quis que fosse parecida com a minha casa. Muitas coisas foram copiadas de lá, como o sofá. Meu nome está na porta e coloquei muito de mim ali.

Veja – Será que um homem heterossexual de Indiana, por exemplo, se sente à vontade para entrar na loja?
Ford – Acho que um heterossexual sofisticado de Indiana se sente totalmente à vontade. E nós só queremos o consumidor mais sofisticado. O fato é que nosso negócio está crescendo. Nos Estados Unidos, as pessoas falam em recessão econômica, mas o consumidor do topo da pirâmide está um tanto distante dos tropeços da economia. Talvez ele não compre uma casa nova, mas ainda compra um belo sapato de crocodilo e um belo terno.

Veja – O mercado de luxo então é imune à recessão?
Ford – Não posso falar das outras marcas, mas acho que as que são realmente de luxo não foram afetadas. Além disso, os Estados Unidos não afetam mais o resto do mundo como antigamente. Antes, uma recessão aqui levaria o mundo inteiro ao desaquecimento. Hoje em dia, não é mais assim. As outras economias estão mais fortes, na China, na Índia, no Brasil, nos mercados emergentes.

Veja – Quanto tempo duraram as negociações com a Daslu para abrir dentro dela sua loja no Brasil?
Ford – Dois segundos. Tenho uma ótima relação com as meninas da Daslu desde minha época na Gucci e na Yves Saint Laurent. Faço pelos homens, na minha loja em Nova York, um pouco do que a Daslu faz no Brasil: temos um mordomo, empregada, pessoas que podem providenciar alguma coisa para comer. É tudo baseado no serviço, e acho que o serviço que a Daslu oferece é incrível.

Veja – Mas no Brasil as diferenças de classe são mais gritantes do que nos Estados Unidos. Será que é uma estratégia acertada para uma marca nova no mercado?
Ford – Nós só trabalhamos com o topo do topo, nada mais. Então é o melhor lugar onde eu poderia estar.

Veja – Sua marca é vendida em boa parte do mundo. Quem são os novos consumidores de luxo? As russas são as novas árabes?
Ford – Não gosto desse tipo de comparação, soa racista. Temos consumidores sofisticados de todos os países comprando nossas roupas. É claro que houve um incrível aumento de renda na Rússia, mas também houve um grande crescimento no Brasil, na China. Estamos indo muito bem nesses países, mas também vendemos muito a consumidores americanos e europeus, que já tinham maior disponibilidade de renda.

Veja – O senhor inverteu a ordem natural do negócio da moda: lançou primeiro perfume e acessórios e só depois sua linha de roupas. Por quê?
Ford – Consegui fazer isso por ser quem sou. Uma empresa de perfumes ou de óculos só se interessa por alguém que tenha uma marca consolidada. Mas eu, por causa do trabalho na Gucci e na Yves Saint Laurent, tinha um nome forte e pude fazer as coisas ao contrário. Com o dinheiro que ganhei com perfume e óculos, financiei o lançamento da linha de roupas masculinas. Sabia desde o começo que as coisas seriam assim, mas não anunciei, e muita gente achou estranho que eu pusesse meu nome em acessórios antes de fazer roupas. Perfumes e óculos são produtos que eu amo, e dediquei muito tempo à sua criação. Mas também pensava desde o início em estruturar minha empresa, em já começar tendo lucro. Acho que ninguém conseguiu fazer isso antes. Não estou me vangloriando. Penso que tive sorte. Já tinha um nome consolidado e pude trabalhar de uma forma diferente.

Veja – Quando saiu da Gucci, o senhor tinha recursos suficientes para não precisar trabalhar nunca mais. Por que voltou, e justamente para a moda?
Ford – Nem eu mesmo achava que voltaria. Fui embora e pensei: tudo bem, já fiz, já vi, já estive lá, agora chega. Passados uns quatro meses, notei que sentia muita falta de criar, de fazer coisas, de produzir. Percebi que criar me dava 90% da alegria de viver. Eu me aposentei, comprei tacos de golfe, passei a jogar tênis todos os dias, mas me entediava em três segundos. Sou um designer nato, amo criar, amo fazer coisas e nunca mais vou pensar em me aposentar. Vou trabalhar até o dia em que cair morto.

Veja – Nessa fase de aposentadoria precoce, quanto tempo conseguiu ficar realmente afastado da moda, sem ir a um desfile, sem ler uma revista?
Ford – Uns seis meses. Quando saí, estava exausto. Fui para a minha casa em Londres e me recolhi às 4 da tarde, muito deprimido. Não queria mais olhar, pensar nem falar de moda. Naquele momento, eu acreditava que a Gucci tinha sido o ápice. Agora acho que aprendi lá o que preciso para fazer a verdadeira obra da minha vida, que é construir minha própria empresa.

Veja – A transição para uma posição de menor destaque, em comparação com a exposição intensa anterior, foi difícil?
Ford – Acreditem ou não, estar no centro das atenções nunca me empolgou. Odeio dar entrevistas, odeio posar para fotos. Aparecia muito porque fazia parte do negócio, porque as pessoas precisavam saber que eu estava cuidando dos meus produtos, que eu estava presente. Não foi por isso que fiquei deprimido, e sim porque, de repente, não estava fazendo mais nada. E também porque me dediquei tanto à Gucci que sair de lá foi como um divórcio. Foi como voltar para casa e sua mulher ter trocado a fechadura. E ver pela janela o novo marido dela com os seus filhos na sua casa.

Veja – O senhor continuou acompanhando os desfiles?
Ford – Eu assisto a tudo on-line.

Veja – Como transformar uma bolsa ou um sapato em objeto de desejo?
Ford – Eu me esforço para fazer aquilo que as pessoas querem ter. Esse é meu talento como estilista. Faço, simplesmente. Se existisse uma fórmula, todo mundo estaria fazendo bolsas e sapatos de sucesso.

Veja – As grifes de alto luxo, como a sua, precisam vender e ao mesmo tempo ser para poucos, para manter a imagem de exclusividade. Como conciliar as duas coisas?
Ford – O mundo está mudando, e está surgindo um novo modelo de negócio. Existe mais prosperidade do que nunca. Assim, é possível atender a uma pequena parcela da população, vesti-la da cabeça aos pés e ganhar muito dinheiro com isso.

Veja – Moda ainda é uma coisa que o emociona? Ou está tudo mais ou menos igual, previsível?
Ford – Eu amo moda. Mas o que eu faço hoje é um tipo de moda diferente do que eu fazia na Gucci. É menos ligado a tendências e mais voltado para a qualidade. Fico muito empolgado com um paletó bem cortado, com um modelo em que a cor é linda e o caimento, perfeito.

Veja – E nas outras marcas? Qual a última coisa que o senhor viu e o deixou arrepiado?
Ford – Espero que não pareça egocêntrico, mas me empolgo mais com o que eu faço do que com o que os outros fazem. Isso está na natureza do estilista. Tenho imenso respeito pelo Karl Lagerfeld, por Miuccia Prada. Em moda feminina, acho Nicolas Ghesquière (da grife Balenciaga) o que há de mais interessante.

Veja – Poucos homens conseguem, como o senhor, usar um terno sem gravata e manter a classe, principalmente com a camisa desabotoada a ponto de mostrar o peito. Qual é seu segredo?
Ford – Confiança. Você pode usar qualquer coisa e ficar glamouroso, se for seguro de si. Vejo pessoas andando na rua sem estilo algum, mas ficam bem porque se sentem bem. Minha mensagem de moda para todos os homens e todas as mulheres é: leiam revistas de moda, se quiserem, mas depois joguem no lixo e vistam o que faz com que se sintam bem. Não sigam tendências para se sentir seguros. Podem seguir, se quiserem, se gostarem, se lhes servirem. Mas desenvolvam seu estilo próprio. Nunca vistam nada em que não se sintam à vontade. Vestir-se é uma forma de expressar a personalidade.

Veja – E o que deixa Tom Ford à vontade?
Ford – Agora, por exemplo, estou de jeans, camisa de caubói, botas de caubói, chapéu de caubói e óculos escuros. Estou coberto de poeira e não tive tempo de tomar banho, portanto estou muito sujo. Acho que o que faz eu me sentir à vontade é usar a roupa certa no lugar certo. Se estivesse em Nova York, teria tomado banho, colocado um belo terno e sapatos brilhando. Estar vestido de acordo com a ocasião, o lugar, o momento, a companhia, o ambiente – isso é que funciona em matéria de roupas.

Veja – Por que é tão difícil vê-lo de gravata?
Ford – Eu até uso, em geral à noite, quando saio para jantar num restaurante que exige. Mas qualquer coisa em volta do meu pescoço me irrita. Minha preferência por camisas abertas vem da necessidade de ficar com o pescoço livre. E também, claro, porque tenho um belo tórax.

Veja – Muita musculação?
Ford – Não. Mas jogo tênis umas três vezes por semana, nado, ando a cavalo, jogo golfe, faço escalada e, no inverno, esquio muito. Recentemente comecei a fazer pilates para não perder a agilidade.

Veja – Mulheres em todo o planeta esperam sua volta à moda feminina. Quando vai ser?
Ford – Talvez nunca. Com certeza, não nos próximos dois ou três anos. Estou muito ocupado construindo uma empresa e amo o que estou fazendo. E se – atenção: se – eu voltar para a moda feminina tem de ser de uma forma diferente, para criar algo inovador. Acho que a moda feminina está meio chata, mas não sei qual é a solução. Se nunca descobrir, não vou voltar. Não quero simplesmente voltar por voltar.

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