Panorama Econômico |
O Globo |
20/5/2008 |
O governo Lula entra em tanta contradição que confunde colunistas. Mesmo sendo diária a coluna, às vezes não se sabe sobre qual contradição escrever. Nos últimos dias, o presidente voltou a defender a incompreensível idéia de o Brasil entrar na Opep e, ao mesmo tempo, criticou as petrolíferas. O Ministério da Fazenda diz que tem sobra de caixa, mas pensa em recriar a CPMF, pois não tem dinheiro para a Saúde. Vamos por partes e no que mais ataca o bolso. Exatamente a mesma quantia que a Política de Desenvolvimento Produtivo destinou aos empresários em três anos, R$21 bilhões, é a que precisa ser providenciada pelo governo, também em três anos, para complementar o orçamento da Saúde. Já eram claros os sinais de que o governo não conversa com ele mesmo, agora fica parecendo que a Fazenda não conversa com ela mesma, porque lá é que foi viabilizada a proposta da política industrial e é lá que se prepara a proposta de uma nova CPMF. Desde que a CPMF acabou, já ouvi funcionários tanto da Receita, quanto da Controladoria Geral da União reclamando da falta que ela faz do ponto de vista fiscalizatório. Os dois órgãos dizem que perderam visibilidade da movimentação bancária que ajudava na fiscalização de lavagem de dinheiro e outros ilícitos. Se é realmente um problema, se a CPMF for apresentada de forma bem fundamentada, será mais fácil conquistar apoios à sua volta em percentual mínimo. O que fica difícil entender é como o governo pensa em recriar o mal-amado imposto do cheque com o argumento de que falta dinheiro para a Saúde depois de 10 dias de orgia de renúncia fiscal para diversas clientelas. Ninguém é bobo. Se o governo pode abrir mão de R$2 bilhões, por ano, com a Cide; de R$21 bilhões, em três anos, com impostos diversos para incentivar exportadores; se pode constituir um fundo com extra de superávit primário apenas para comprar títulos de bancos brasileiros para que eles emprestem para empresários a juros baixos, este governo não está precisando de mais dinheiro. Precisa, sim, é fazer escolhas mais sábias com o que tem. Na primeira vez em que o presidente Lula falou que o Brasil deve entrar para a Opep, parecia fanfarronice. A segunda vez, um daqueles excessos que ele comete. Mas agora tem sido reincidente. Se o Brasil vai ser uma potência energética, deve pensar seu futuro de forma mais estratégica do que ir aos impulsos. A Opep controla hoje 1/3 da produção mundial, e seus membros têm que discutir entre si as cotas de produção, de aumento de fornecimento, mesmo quando há escassez e os preços estão altos. O objetivo desse cartel sempre foi o objetivo de qualquer cartel. O Brasil, se quer crescer e explorar todas as possíveis potencialidades - em grande parte desconhecidas - dos campos de petróleo do pré-sal, não pode aceitar limites à produção por interesses do cartel de vendedores. Só pode aceitar limites à produção impostos pelo interesse estratégico brasileiro. Se o presidente Lula acha que há uma conspiração das petrolíferas contra o etanol, não pode querer estar no clube que defende os interesses particulares da indústria do combustível fóssil. O Brasil pode traçar seu futuro de potência energética longe de clubes e associações. Até porque nossa situação será interessante por somar a produção do combustível fóssil à do combustível alternativo de baixo carbono. A matéria- prima do nosso combustível é completamente diferente da de outros países, o que nos instala definitivamente na dianteira do etanol. Estamos condenados a não entrar nos lobbies, a não ser os que defendem nossos próprios e únicos interesses. Outra contradição é o discurso recorrente de que as críticas à destruição da Amazônia são de interesses externos. Foi o que acabou de dizer no Peru. Segundo Lula, no exterior, querem preservar a Amazônia, mas "ninguém quer discutir a qualidade de vida do povo". Povo, presidente? A forma de exploração da Amazônia, muitas vezes baseada em ocupação ilegal de grandes extensões de terra pública e endêmico desrespeito ao trabalhador, não é exatamente um modelo de desenvolvimento a ser defendido. Para sermos fortes produtores de etanol - e de commodities agrícolas em geral - é preciso garantir que as leis sejam cumpridas na Amazônia. Chegou um ministro novo. Antes de fazer um afago ao governador Blairo Maggi e, ao mesmo tempo, dizer que nada muda na política ambientalista, o presidente Lula deve se dar conta de que isso é uma insanável contradição. O governador de Mato Grosso disse, neste fim de semana, que só 20% dos produtores do seu estado têm documento de regularidade ambiental, como exige a nova resolução do Conselho Monetário Nacional. É uma confissão de ilegalidade. A resolução do CMN, apontada como "duríssima" por produtores, apenas obriga o cumprimento da lei: só receberão financiamento no Bioma Amazônia aqueles que tiverem a reserva legal respeitada ou planos para recuperá-la. Terão que demonstrar também propriedade da terra. Adiar ou mudar isso será condenar a administração Minc ao fracasso prévio, e assumir oficialmente que a lei não se cumpre na Amazônia. Por isso foi bom o sinal dado no encontro ontem entre Minc e o presidente Lula de que será mantida a resolução do CMN. Certas contradições são exemplos do estilo metamorfose ambulante; outras podem causar um enorme dano ao país. |
Entrevista:O Estado inteligente
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terça-feira, maio 20, 2008
Míriam Leitão - Certas contradições
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