O desafio depois do esperado "grau de investimento", atestado internacional de confiabilidade, é tornar essa conquista permanente
Giuliano Guandalini e Cíntia Borsato
VEJA TAMBÉM
|
Na década de 70, o Brasil chegou a ser o país que mais crescia no mundo. Na década perdida dos anos 80, no entanto, a economia brasileira se atolou no descontrole das contas públicas. O país deixou de pagar a dívida externa por duas vezes. Logo depois, veio a desventura inflacionária. Em março de 1990, o reajuste de preços chegou ao ápice histórico de 82,4% num único mês. Naquele ambiente, os salários chegavam ao fim do mês com metade de seu poder de compra. A cada choque como esse, buscava-se o caminho fácil e ineficiente de experiências populistas e autoritárias – congelamentos, tablitas, empréstimos compulsórios, gatilhos salariais e confisco de bois no pasto. Foram atalhos ilusórios que supostamente levariam o país ao desenvolvimento, mas que desembocavam em crises ainda mais severas. O Brasil só começou a colocar a casa em ordem com o Plano Real, em 1994, quando passou a adotar, aos poucos, a racionalidade que rege há décadas as nações mais avançadas. Foi uma jornada difícil, pontilhada por turbulências financeiras e reações de grupos de interesse que se acostumaram a extrair lucro do caos.
Na semana passada, essa jornada se mostrou mais do que acertada. O país ganhou seu atestado de maturidade econômica e financeira. A agência americana de classificação de crédito Standard & Poor’s elevou a nota brasileira à categoria de investment grade, ou "grau de investimento". Essa avaliação funciona como um selo de qualidade conferido a países e empresas que têm um histórico de administração confiável e que honram plenamente os compromissos de suas dívidas. Graças a essa promoção, a economia brasileira conquista a chave que lhe abrirá as portas do acesso a um volume inédito de recursos, sobretudo uma parte da montanha de 10 trilhões de dólares dos investimentos de fundos de pensão europeus e americanos que, por regras internas, não podem investir em países considerados arriscados – ou seja, que não tenham o selo de grau de investimento. Esse é apenas o efeito mais direto do ingresso do Brasil no clube dos países de primeira classe como destino de investimentos.
Ingressamos, então, no Primeiro Mundo? Não. O Brasil só deixou para trás as birutices do passado e tornou-se um país normal, do ponto de vista da condução da economia. Mas está longe de ser uma nação desenvolvida. Continuamos a ser campeões mundiais em burocracia. A desigualdade social é uma das maiores do mundo, e a qualidade do ensino fica entre as piores do planeta. A conquista da semana passada, portanto, deve ser vista apenas como um primeiro passo em direção à normalidade, e não como um fim em si. Como bem definiu Octavio de Barros, diretor de pesquisas macroeconômicas do Bradesco, a promoção representa o ingresso do país no início da vida adulta. Diz o economista: "Trata-se da recompensa pelos quase quinze anos de política econômica responsável. O país não pode, agora, voltar atrás". Voltar atrás, de fato, seria lamentável. Certos países que já gozaram do status de grau de investimento, como o Uruguai, acabaram perdendo-o poucos anos depois, porque abandonaram as políticas corretas e descuidaram da boa administração de suas contas. Para manter o voto de confiança que acaba de receber, o Brasil terá de perseverar na execução de uma política econômica séria e previsível. Olhando mais adiante, para que os ganhos financeiros advindos do grau de investimento sejam traduzidos em benefícios para as empresas e para a sociedade, a economia terá de aproveitar com mais eficiência os recursos disponíveis e ampliar sua produtividade. Como? Um bom início seria fazer andar as reformas tributária e trabalhista, que estão na pauta do Congresso há anos, mas nunca vão adiante. "Se as reformas não forem feitas, o risco de um calote do Brasil pode até não ser alterado, mas haverá o risco de baixo desempenho econômico", afirma Tom Trebat, ex-diretor do Citigroup para a América Latina e diretor do Centro de Estudos Brasileiros da Universidade Columbia, em Nova York.
Luiz Carlos Murauskas/Folha Imagem/Digital |
O PT divulga a Carta ao Povo Brasileiro, em 2002: o compromisso com a estabilidade custou a sair, mas hoje é a pedra de toque do governo Lula |
Feitas as devidas ressalvas, é importante comemorar o grau de investimento brasileiro, meta que o país vinha perseguindo havia uma década. A notícia, divulgada na véspera do feriado do Dia do Trabalho, despertou uma onda de otimismo, refletida na valorização acentuada das ações de empresas brasileiras. A elevação pegou a maioria dos analistas de surpresa. Parecia improvável que o aumento da nota brasileira, que passou a ser BBB- (veja quadro), viesse em um período de turbulência dos mercados financeiros mundiais. "É uma conquista muito significativa, porque o grau de investimento foi concedido num momento de incerteza e instabilidade na economia internacional, e isso mostra o aumento da resistência da economia brasileira a choques externos", afirmou o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles. Alexandre Schwartsman, economista-chefe do Banco Real para a América Latina, concorda: "O comportamento do Brasil nessa turbulência externa foi crucial para a obtenção do título. A Argentina, por exemplo, seguiu o caminho oposto. O grau de investimento brasileiro acaba sendo uma coroação pela decisão certa, enquanto os argentinos tiveram seu grau rebaixado".
Segundo a consultoria americana Watson Wyatt, os fundos de pensão estrangeiros aplicam hoje cerca de 40 bilhões de dólares no Brasil. Esse montante deverá quintuplicar nos próximos anos. O resultado é que as empresas do país terão a seu dispor novas fontes de financiamento, e a um custo menor – quanto mais confiável um país ou empresa, maior a oferta de crédito e menores os juros. "Haverá uma melhora no perfil do investidor estrangeiro. Em vez de capital especulativo, o país receberá recursos de longo prazo", diz Walter Machado de Barros, presidente do Instituto Brasileiro de Executivos de Finanças de São Paulo (Ibef). Essa bonança deverá se traduzir em mais investimentos no setor produtivo, o que amplia o potencial de crescimento sustentável de longo prazo do país. De acordo com o economista Carlos Langoni, o PIB poderá avançar até 1,5% mais rápido, sem causar inflação. O governo também terá a possibilidade de se financiar tomando dinheiro emprestado a juros mais baixos, o que reduzirá o custo de sua dívida.
O crescimento mais acelerado vai estimular a criação de empregos, ao mesmo tempo que tenderá a cair a taxa de juros para o financiamento da casa própria e de bens de consumo, como automóveis. Há trinta anos, para pagar suas dívidas, o Brasil era obrigado a produzir recessão e desemprego. Hoje, somos bons pagadores justamente porque estamos crescendo e produzindo riqueza. Reside aqui a principal vantagem de sermos, enfim, um país normal.
|
|