Oscar Cabral |
O ex-presidente da Colômbia César Gaviria: o desafio é não se prender a questões ideológicas |
A guerra ao narcotráfico nos termos preconizados pelos países desenvolvidos, Estados Unidos à frente, não tem obtido resultados na América Latina. A partir dessa constatação, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso idealizou um novo fórum para discutir a questão. A Comissão Latino-Americana sobre Drogas e Democracia, que realizou sua primeira reunião na quarta-feira passada, no Rio de Janeiro, pretende dar novo foco ao combate às drogas. A idéia é priorizar a redução do consumo por meio de políticas de educação e saúde. Juntaram-se a Fernando Henrique nessa empreitada os ex-presidentes Ernesto Zedillo, do México, e César Gaviria, da Colômbia. O objetivo é apresentar à ONU, no ano que vem, uma proposta latino-americana de enfrentamento do problema. Presente ao encontro, César Gaviria detalhou ao repórter Ronaldo Soares, da sucursal de VEJA no Rio, os principais pontos em discussão.
DROGAS E DEMOCRACIA
A ameaça é real e muito clara. A Colômbia, sem dúvida, é um exemplo do que estou falando. A democracia ficou realmente ameaçada pelas ofensivas dos narcotraficantes em meu país. Eu mesmo, quando fui presidente e combati os cartéis de Medellín e de Cali, enfrentei desafios descomunais. No Brasil, o que acontece nas favelas, com bandidos que impõem suas próprias leis e desafiam as autoridades, é um conjunto de ações alheias aos princípios sagrados da democracia. Quem mais sofre com isso são os pobres, particularmente os que estão à margem da economia de mercado. É a população mais vulnerável, na qual os valores democráticos, os valores educativos, os valores sociais se perdem mais facilmente. O estado protege muito menos essas pessoas do que poderia. Por isso, o tráfico se desenvolve com mais vigor nas zonas marginais das cidades.
O PAPEL DA COMISSÃO
A responsabilidade de propor soluções para um desafio dessa natureza não é apenas de organismos internacionais ou dos governos locais. Quando não se quer resolver um problema, basta deixá-lo exclusivamente por conta das autoridades. Além do mais, o debate sobre as drogas é precário, quase inexistente, em muitos países. Em diversas circunstâncias, as discussões estão voltadas para analisar apenas os aspectos relacionados ao crime, deixando de lado todos os componentes sociais, familiares e coletivos que também têm de estar contemplados no debate.
O PAPEL DOS CIDADÃOS
A sociedade pode dar contribuições valiosas sobre como combater o consumo de drogas, como orientar nossos jovens e nossos cidadãos, como tratá-los quando se tornam viciados. Nesses casos, temos de transcender a ação das autoridades. Temos de compreender que o enfrentamento das drogas é uma responsabilidade da sociedade civil, que exige participação dos pais, dos médicos, dos professores, das organizações não-governamentais, das empresas. Não se pode delegar toda a responsabilidade aos governos.
A EXPERIÊNCIA COLOMBIANA
No que diz respeito ao controle da produção e do tráfico de drogas, nenhum país tem tanta experiência como a Colômbia. Ninguém pode dizer que meu país não cumpriu o seu papel, que não se empenhou. O último grande esforço que se fez, com uma grande colaboração internacional, particularmente dos Estados Unidos, foi o Plano Colômbia. Vários objetivos foram atingidos, em termos de erradicação de plantações, de controle de terminais, de criação de áreas de apoio para essas operações conjuntas, de um grande esforço de integração na área de inteligência. Tudo isso é válido, representou um grande avanço. Mas, apesar de terem sido gastos vários milhões de dólares nesse trabalho, a sensação é que estamos ainda próximos do ponto de partida.
O DEBATE
Nas políticas européias existem medidas interessantes de enfrentamento do consumo. O controle do tráfico é a linha mestra da atuação dos Estados Unidos. Na América Latina, temos de levar em conta os dois aspectos. A comissão deve reconhecer a necessidade de um controle rigoroso sobre o tráfico e a produção de drogas. É preciso haver um controle, e um controle com presença do estado. Mas achar que somente esse controle vai resolver o problema é algo que já sabemos ser ilusório. Vamos propor uma troca de experiências, avaliando as ações que estão em curso no mundo em relação à produção e ao consumo de drogas. Acreditamos que é importante conhecer essas experiências e avaliar essas políticas. E temos de fazer isso de maneira mais sistemática, sem nos prender a posições simplesmente ideológicas. Esse é, talvez, o principal desafio.