Entrevista:O Estado inteligente

quinta-feira, maio 15, 2008

Celso Ming - Bandeira de consenso



O Estado de S. Paulo
15/5/2008

O mundo dá suas voltas e eis que, de repente, os economistas heterodoxos aparecem agora levantando a bandeira da responsabilidade fiscal.

Até um dia desses, eram muitos deles ou quase todos contra o aumento do superávit primário, que é a sobra de arrecadação para pagamento da dívida. Este era o mecanismo visto por certos ministros do atual governo e dentro do PT como imposição do neoliberalismo e dos sempre obcecados com a inflação.

Quando o presidente Lula assinou a Carta ao Povo Brasileiro, em junho de 2002, esses mesmos viram o ato político como capitulação ao Consenso de Washington, a cartilha neocolonial que, na década de 90, os dirigentes do mundo rico impuseram aos países emergentes em crise.

A palavra de ordem em áreas da esquerda e nas trincheiras ocupadas pelos economistas contrários à política econômica adotada era “fora o FMI e abaixo o superávit primário”.

Agora, um a um, esses economistas mostram surpreendente entusiasmo pelo aumento do superávit. Há dois dias, o senador Aloizio Mercadante (PT-SP), logo ele, crítico histórico dessa coisa, apareceu como baluarte da austeridade, embora tivesse o cuidado de circunscrevê-la ao “atual contexto”. São palavras dele: “É importante o aumento do superávit primário para complementar a política monetária no combate à inflação.”

O segredo dessa nova aliança entre ortodoxos e heterodoxos está aí: se é para evitar a famigerada alta dos juros pelo Banco Central, então vamos de aumento do superávit primário, sem preconceitos neoliberais.

O Fundo Soberano do Brasil, anunciado terça-feira pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega, prevê sua capitalização com duas principais fontes de recursos: excedentes de arrecadação e colocação de títulos públicos pelo Tesouro (aumento do endividamento). O ministro imagina que, no futuro, possa contar também com receitas da exploração de petróleo nos campos pré-sal, coisa a ser decidida mais adiante.

Mas fiquemos com o tal excedente de arrecadação. O compromisso do governo é obter neste ano um superávit primário de 3,8% do PIB. Mas apresentou no primeiro trimestre o equivalente a 4,65% do PIB ou 1,49 ponto porcentual acima do obtido no mesmo período de 2007. E o secretário do Tesouro, Arno Augustin, prevê que um desempenho melhor do que o previsto deverá ocorrer ao longo de todo este ano.

No lançamento do Fundo, o ministro da Fazenda teve certa dificuldade em explicar por que o tal excedente de arrecadação, que não é propriamente o superávit primário, vai para o tal “cofrinho do Mantega”, que outra coisa não é senão o Fundo Soberano do Brasil.

Ficou a impressão de que Mantega evitou falar em aumento do superávit pura e simplesmente para livrar-se do assédio dos políticos que adoram gastar e que se atiram com ganância sobre qualquer sobra de arrecadação. Se vai para o Fundo, o excedente vira despesa que, na prática, funciona como poupança extra, supostamente a salvo da sanha dos políticos.

Nesse sentido, o mercado financeiro está interpretando erroneamente a desistência do governo de aumentar o superávit primário. Ele só não virá com esse nome.

Confira

Buracão - Pelos cálculos do ministro do Desenvolvimento, Miguel Jorge, se os números que envolvem o comércio exterior de petróleo e derivados do primeiro quadrimestre deste ano se repetissem ao longo de todo o ano, o déficit da conta de petróleo chegaria às proximidades dos US$ 10 bilhões.

O secretário de Petróleo do Ministério de Minas e Energia, José Lima de Andrade Neto, avisa que essa diferença, acentuada pela alta do petróleo, não vai se repetir nos próximos meses. Ontem a Petrobrás anunciou que, em abril, a produção aumentou 2,3% sobre a de março.

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