Como o legendário regimento de cavalaria que, na hora derradeira, resgata o forte já sem meios de resistir ao cerco dos apaches, as chuvas chegaram a tempo de salvar do pior os estiolados reservatórios do Sudeste, no sistema de Furnas, por exemplo. Em São Paulo choveu, em poucas horas, o que chove em média em todo o mês de janeiro e tudo indica que as precipitações não vão parar aí e Lula poderá de novo vangloriar-se de ter acertado no que os técnicos erraram.
É um direito que lhe assiste. Afinal, as batatas ficam sempre com o vencedor. Mas vamos esperar que, passado o susto que ele não conseguiu disfarçar com suas tiradas tranqüilizadoras, o governo não torne a adiar para as calendas a indispensável revisão do cambaleante modelo para o setor elétrico adotado pela ministra Dilma Rousseff, quando titular da Energia.
Escrevendo ontem no blog do jornalista Ricardo Noblat, o deputado baiano José Carlos Aleluia, um dos políticos mais familiarizados com a questão, arrola os piores casos de imprevidência do governo Lula nessa área crítica. "A senhora Rousseff", assinala, "suspendeu a construção de Angra 3; paralisou os trabalhos de construção da Hidrelétrica de Belo Monte; retardou em pelo menos quatro anos o avanço do Proinfra (programa de produção de energia renovável - biomassa, principalmente bagaço de cana, eólica, solar e pequenas centrais hidrelétricas); permitiu o atraso de dois a três anos nas licitações das usinas do Rio Madeira - a primeira delas só foi licitada com sucesso em dezembro último." Além disso, na contramão do mundo, o governo "abandonou qualquer esforço real de conservação de energia".
O deputado lembra ainda que, no ano passado, o risco de déficit de oferta de energia elétrica levou a ministra a forçar um acordo entre a Aneel, a Petrobrás e os geradores, pelo qual a empresa se comprometeu a garantir o suprimento de gás para a produção de 3 mil MW adicionais. "Todos os signatários", denuncia Aleluia, "sabiam que não existe gás." E pensar que as decisões de Dilma poderão ser vistas a não muito longo prazo como o menor dos males! O motivo salta aos olhos. Hoje, vencidas as pressões em contrário da atual titular da Casa Civil, Lula deve convidar oficialmente o senador maranhense Edison Lobão, recém-migrado do antigo PFL para o PMDB, consumando o que só pode ser tratado como uma tremenda irresponsabilidade do seu todo-poderoso conterrâneo José Sarney, que o indicou e junto a quem o presidente parece ter dívidas impagáveis.
A menos que ele aceite ser um ministro que só assine o que lhe pedirem, e sem caneta para nomear os dirigentes do setor, no qual Dilma continuaria a ser a czarina, o resultado será calamitoso. A imprensa tem destacado o que seriam os podres de Edison Lobão Filho, sucessor do pai no Senado, na condição de seu primeiro suplente. Não que isso seja irrelevante. Mas muito mais assustador do que o padrão ético do clã Lobão, é o que confirma a declaração do senador, publicada sábado na Folha de S.Paulo, de que está "se informando" sobre energia. Nas suas palavras: "Estou lendo alguma coisa (sic) que chega às minhas mãos. A imprensa, por exemplo, está escrevendo (sic) muita coisa técnica. Todos os dias saem até (sic) informações boas." Nem as chuvas, adiando a crise e dando a Lobão mais tempo para ler, lavam o erro monumental de Lula ao nomear um iletrado nessa matéria vital para o País, num momento em que as deficiências do nosso sistema energético, e não os boatos inventados por Lula, nos levaram à beira de um apagão que as chuvas apenas adiam.