Ethevaldo Siqueira,
esiqueira@telequest.com.br
A agência tem, realmente, muitas falhas, em especial aquelas já apontadas diversas vezes nesta coluna, resultantes da interferência político-partidária e da nomeação de dirigentes não qualificados. Mesmo assim, ainda é a melhor (ou a menos ruim) das agências reguladoras.
Bem diferentes de nossas críticas são as acusações feitas pelo ouvidor à agência e encaminhadas na semana passada em relatório ao presidente da República. Muito além da defesa dos usuários - missão que lhe compete como ouvidor - Aristóteles Santos parte para o ataque político-ideológico ao modelo institucional vigente no setor.
O relatório é, na verdade, um panfleto inteiramente afinado com o discurso dos sindicalistas da Federação Interestadual dos Trabalhadores Telefônicos (Fittel), entidade a que pertencia o ouvidor. Aquela federação se notabilizou em 1998 por liderar dezenas de ações na Justiça em defesa do modelo estatal e até agredir fisicamente investidores nos leilões de privatização da Telebrás.
O ouvidor Aristóteles dos Santos sabe que a maioria dos problemas da Anatel decorre de nomeações políticas, inclusive de sindicalistas, totalmente despreparados para o trabalho na agência.
Sem orçamentos mínimos adequados, degradada e desprofissionalizada pelo próprio governo Lula, a Anatel é agora apontada pelo ouvidor como prova da inadequação do modelo privatizado. Nenhuma palavra sobre os resultados extraordinários desse modelo, traduzidos no aporte de mais de R$ 170 bilhões de investimentos em infra-estrutura e o aumento da densidade porcentual de míseros 14 acessos telefônicos por 100 habitantes, em 1998, para mais de 80, atualmente.
Em telefonia móvel, o País saltou de apenas 5,2 milhões de celulares em julho de 1998 para 120,9 milhões hoje, um crescimento de 2.480%. E, resumindo: só em 2007, os investimentos privados em telecomunicações foram maiores que os do PAC em todas as áreas.
O ouvidor não se limita a analisar com isenção e objetividade os problemas da agência. Prefere discorrer sobre a economia setorial, confundindo faturamento com lucro, dando aulas sobre tarifas (sem mencionar a hipertributação de mais de 40%) e defendendo a criação de uma megaconcessionária nacional, a partir da fusão entre Brasil Telecom e Oi.
Sobre essa fusão, é preciso deixar bem claro que nenhum brasileiro pode ser contra a criação de uma grande concessionária privada nacional de telecomunicações. Mas uma operação desse tipo deve responder previamente a duas perguntas básicas: para quê e em benefício de quem?
Não há dúvida de que, para a nova empresa, haverá benefícios de escala. Difícil, no entanto, é provar que a fusão de duas empresas aumenta a competição ou que a nova tele será mais forte numa competição com a Telefônica ou a Embratel.
A fusão das concessionárias ou a aquisição de uma por outra, no entanto, tem que seguir trâmites legais rigorosos e apoiar-se em negociações livres entre as partes. Não é o que ocorre até aqui nesse casamento arranjado pelo governo, que mais parece uma aquisição com promessa de ajuda, de empréstimo e participação direta do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e dos fundos de pensão das estatais no capital da nova empresa.
Que tipo de empresa privada será essa, com a injeção de bilhões do BNDES e dos fundos de pensão? Além disso, o governo reivindica uma golden share - ação que lhe dará poder de veto na nova concessionária -, que apavora qualquer investidor privado porque politiza a administração de qualquer empresa.
Do ponto de vista legal, a fusão só pode ser concretizada depois da elaboração de um novo Plano Geral de Outorgas (PGO) pela Anatel e de sua sanção por decreto do presidente da República. Tudo teria que começar na Anatel, a partir de estudos específicos, com um grande debate nacional, em audiências públicas, terminando com o texto do decreto submetido à sanção presidencial. Nada disso foi ou está sendo feito. O carro caminha, portanto, adiante dos bois.
MUDANÇA DE REGRAS
O Brasil só conseguirá a confiança de investidores privados com regras duradouras, em ambiente de completa isonomia e sem critérios discriminatórios quanto à origem do capital das concessionárias. O que vemos hoje nas telecomunicações é um claro retrocesso, com recaída nacionalista e a volta do discurso xenófobo e estatizante.
Em lugar de aperfeiçoar o modelo ou formular políticas públicas bem pensadas, ministros e sindicalistas propõem a seu bel-prazer mudanças de nítida inspiração populista, sem maior debate com a sociedade, com especialistas e com o Congresso.
Será que vivemos uma epidemia da metamorfose ambulante nas telecomunicações?