Se todo consumidor brasileiro reduzisse em 5% o seu consumo de energia, isso permitiria ao Brasil poupar 2.500 MW de energia. É o mesmo que o país conseguirá se fizer o que o governo ameaça: retirar gás das indústrias para mandar para as termelétricas. Em vez de fazer o mais sensato, iniciar uma campanha de economia de consumo, o governo ameaça as empresas.
É lamentável a maneira como o governo lida com a séria questão da crise energética! O ministro Edison Lobão tartamudeou na primeira entrevista que deu ao tentar falar a palavra “térmica”. Falou em “termas”, tentou “termos” e não encontrou as “térmicas”, nome dado às usinas que, no nosso modelo, são a variável de ajuste.
O governo tem feito contorcionismos com os números só para não admitir que o país corre risco de falta de energia. Sustenta, por exemplo, que o consumidor residencial tem mantido quase o mesmo cuidado da época do apagão. É falso. Na verdade, o consumo total subiu 32% desde 2001. E aumentou 5,4% no ano passado. O truque é que ele calcula pelo consumo médio por família, que foi de 135 KWH para 147 KWh. Mas esta forma de fazer a conta mostra um crescimento atenuado, porque entraram mais famílias de baixo consumo, com o Luz para Todos. Só em 2007, entraram quase dois milhões de novos consumidores. No agregado, o consumo residencial hoje cresce mais que o industrial.
O nível dos reservatórios está baixo. As térmicas estão instaladas, mas não têm gás. Para fornecer mais gás a elas, é preciso tirar de indústrias. Isso é fácil falar; difícil fazer. De início, é preciso entender um detalhe fundamental: no balanço energético do país, não vale o que está escrito.
— O balanço energético do país está maquiado. Estão mentindo quando dizem que temos toda aquela energia, porque, dos 40 milhões de m³ de gás necessários para fazer todas as térmicas funcionarem, só temos 10 milhões de m³. O setor tem que estar preparado para quando a chuva não vem. Se trabalhamos com balanço maquiado, em que a oferta de energia não é a oferta real, não nos preparamos para este momento em que a chuva é escassa e não poupamos água no reservatório — diz Marco Tavares, da Gás Energy.
Outra coisa: tirar o gás da indústria para passar para as térmicas é complexo.
— Essas indústrias fizeram enormes investimentos para passar a usar gás e estão pagando o preço cheio, ou seja, pagam mais caro para ter a garantia de que o fornecimento não será interrompido. Se ele for interrompido, então o preço pago deveria ter sido mais baixo. Isso pode gerar demandas judiciais. E para fazer a troca de fonte de energia, é preciso pedir licença ambiental — explica Paulo Mayon, presidente da Associação dos Grandes Consumidores.
O presidente de uma indústria com unidades no Rio e em São Paulo, que usa gás no processo industrial, está bastante preocupado. Na época do apagão, ele transformou toda sua indústria para o gás e agora é “dependente” do gás.
— Um forno desses não se muda em menos de um ano. E mesmo uma solução provisória, demora uns 10 meses. O custo pode chegar a US$ 30 milhões por forno. Isso se tivermos licença ambiental — diz.
Fernando Rei, presidente da Cetesb, órgão que fiscaliza a poluição em São Paulo, explica que as empresas que têm licença para bi-combustível não têm com o que se preocupar. Podem alterar o combustível. Mas as que só estão autorizadas a usar gás teriam que pedir nova licença ambiental. E se elas estiverem numa “bacia aérea” saturada, podem ter muita dificuldade em conseguir uma licença.
Paulo Mayon reúne as empresas que compram energia no mercado livre. Há um ano, elas pagavam R$ 28 por MW de energia extra e hoje pagam R$ 600. Ele acredita que pode ser feito um plano que dê benefício às residências que reduzirem o consumo:
— O consumidor reduziria o uso e receberia um subsídio da indústria por isso. Para a indústria, seria um grande negócio, porque pagaria menos do que paga agora pela energia extra. Para o consumidor, seria uma vantagem também, e o país estaria deslocando energia de quem não produz para quem produz. Com um esforço mínimo, cobriria o déficit e evitaria o racionamento — afirma.
— O governo trata a racionalização de energia como se fosse um palavrão. E é fácil reduzir. Com 5% de queda, o país estaria poupando os 12 milhões de m³ de gás que conseguirá apenas se tirar da indústria, desorganizando a economia — diz Marco Tavares.
Tudo está errado, há muito tempo, sobre o gás. No fim da época do apagão, o setor descobriu que tinha gás para mover as térmicas, mas, naquele momento, havia energia sobrando. O governo Lula foi claro e disse que não estava interessado em nada que não fosse energia hidrelétrica. Os fornecedores, como a Repsol e a própria Petrobras, foram então vender para as indústrias. Elas mudaram sua estrutura de produção — alguns setores são hoje inteiramente dependentes do gás, como a fabricação de cerâmica e a de vidro. Neste meio tempo, o governo pôs as hidrelétricas para operar no máximo, sem fazer um mix que permitisse poupar água nos reservatórios. Quando surgiu, agora, um verão de pouca chuva, já foi o suficiente para o país entrar neste estresse. Mesmo se o Brasil conseguir atravessar este ano sem racionamento, ele dificilmente deixará de acontecer no ano que vem, na opinião de Mayon e Marco Tavares.