Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, janeiro 09, 2008

Merval Pereira - O fenômeno Obama




O Globo
9/1/2008

Susan Buck Morss, professora de filosofia política e teoria social da Universidade Cornell, e Walter Mignolo, diretor do Centro para Estudos Globais e Humanidades da Universidade Duke, membros proeminentes do que se pode chamar de a "esquerda americana", estão entusiasmados com o que está acontecendo nas primárias. Falam em "choque renovador" e em "inventar novas políticas" apenas diante da possibilidade de Barack Obama vir a ser o candidato democrata à sucessão de Bush, mesmo que nenhum dos dois mostre-se certo de que isso ao final acontecerá, e muito menos que, escolhido Obama, ele vencerá a eleição de novembro.

Os dois são estudiosos dos movimentos sociais da América Latina, e membros permanentes da Academia da Latinidade, uma organização internacional cujo secretário-geral é o cientista político brasileiro Candido Mendes, que pretende servir de ponte para o entendimento entre as culturas do Ocidente com o Oriente, especialmente depois dos atentados de 2001.

Mignolo, argentino de nascimento, vem se especializando nos últimos tempos em diferentes aspectos de estudo do colonialismo moderno, explorando conceitos como "colonialismo global" e "geopolítica do conhecimento".

Para Susan Buck Morss, o fenômeno Obama tem a ver com o que Lula representou em 2002, quando foi eleito pela primeira vez no Brasil, diante da ansiedade por mudanças que tomou conta do eleitorado americano:

"É uma boa analogia, e os problemas potenciais que enfrentaremos se ele ganhar serão similares, com a exceção de que Obama é extremamente cosmopolita, conhece realmente por dentro outras culturas".

Walter Mignolo também tende a considerar a comparação adequada, mas em seu blog ele compara o caso de Barack Obama com o da chegada ao poder do atual presidente da Bolívia, Evo Morales.

Mignolo não acredita que Obama seja um desafiador do sistema, e por isso acha que uma eventual vitória dele não trará tantas mudanças na estrutura política dos Estados Unidos quanto a vitória de Morales está trazendo para a Bolívia.

Ao contrário de Evo Morales, que está forçando a assimilação cultural dos indígenas e das mulheres na estrutura de poder na Bolívia, Walter Mignolo acha que Obama acabará sendo absorvido pela estrutura oficial. Mas considera que uma eventual escolha de Obama para presidente é um importante movimento na política americana, mostrando que um político negro pode estar à frente dos negócios do país.

Para Buck Morss, Barack Obama não é mais apenas uma pessoa, transformou-se num movimento. A palavra "change" (mudança), que vem dominando todos os discursos dos candidatos, democratas ou republicanos, significa muito mais do que simplesmente mudar o líder.

Ela vê na eventual escolha de Obama para presidente da República "uma grande mudança" que indicaria ao mundo que os americanos são sábios o suficiente para ter um papel de liderança mundial mudando os paradigmas: "E o fato de que são os brancos que estão fazendo isso acontecer; o fato de que a juventude quer trabalhar para ele; o fato de que sua experiência não é de Washington, mas das ruas de Chicago, faz dele um fato animador".

Escolher Obama, para a professora da Universidade Cornell, seria um reflexo de que os cidadãos americanos poderiam se orgulhar, "e depois desses anos de Bush, a até mesmo da confusão da Monica ( Lewinsky, a estagiária de Clinton), seria um sentimento bonito", comenta.

Na sua análise, os republicanos estariam em posição mais frágil, pois a competição entre seus candidatos poderá enfraquecer o partido. Ao contrário, os candidatos democratas têm praticamente a mesma política, e o fortalecimento de qualquer um fortalece o partido como um todo.

Susan Buck Morss diz que é possível que, como a adversária Hilary Clinton tenta passar para o eleitorado, Barack Obama seja ingênuo sobre o que realmente deve ser feito para alcançar mudanças reais. "Mas será que ele não vai conseguir fazer a mudança inventando uma prática política completamente nova? Todo mundo torce para que isso aconteça", garante ela.

Walter Mignolo, professor do Centro para Estudos Globais e Humanidades da Universidade Duke, atribui a ascensão de Barack Obama ao fato de que uma nova geração de jovens entre 20 e 35 anos considera que não há mais esperança nem no desastre de Bush nem na atuação dos Clinton.

Ele vê também o surgimento de novas necessidades, novas subjetividades emergindo de uma radical transformação global, que coloca em destaque países como China, Iraque, Paquistão, a questão Palestina-Israel, juntando tudo com a crise financeira dos Estados Unidos, formando "uma nova configuração, e Obama toca, com sua personalidade carismática, alguns desses pontos nevrálgicos".

Para Mignolo, a grande pergunta, além de se ele vai ser escolhido pelos democratas, é se terá condições de vencer um republicano: "Suponha que em novembro tenhamos uma disputa entre Obama e Huckabee. É bastante provável que a geração baby boomer, mesmo sendo democrata, apóie um branco liberal republicano em vez de um promissor jovem negro".

Walter Mignolo diz que a falta de experiência de Obama é apenas uma arma eleitoral de Hilary Clinton para tentar desmerecê-lo: "Quantos anos tinha Kennedy quando foi eleito ? Quantos anos tinha Clinton quando foi eleito? A sua idade". O que é certo, diz Mignolo, é que, com qualquer resultado que venha a acontecer, "o imaginário da esfera pública já sofreu um choque renovador".

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