Guerra à hipocrisia
Hipocrisia da recuperabilidade - É a que tem acometido gravemente o grupo de risco dos defensores profissionais dos direitos humanos - aqueles que, por leniência em relação aos facínoras, conseguiram transformar o nobre conceito humanista na abstrusa exaltação dos "direitos humanos dos bandidos". É que, para eles, todo e qualquer criminoso, por mais hediondo, cruel e horripilante que seja o crime que tenha praticado, é perfeitamente recuperável para o convívio social. Defendem, ferozmente, a manutenção do Brasil no seleto clube dos quatro países (com Guiné, Colômbia e Venezuela) que adotaram a maioridade penal só aos 18 anos. Não lhes passa pela cabeça - e, se passa, não lhes fica - que estes quatro países não são exemplos para o mundo, em termos de controle da violência e da criminalidade. E que autores de crimes muito graves e reincidentes - como seqüestros, roubos e estupros seguidos de morte - têm demonstrado possibilidade nula de recuperação ou retorno pacífico ao convívio social. A prisão dos grandes facínoras destina-se à proteção da sociedade, pela desativação dos que a ela impingem insuportáveis riscos - mas isso não admitem os fervorosos adeptos da hipócrita presunção da recuperação de irrecuperáveis.
Hipocrisia da rejeição a medidas provisórias - É a que tem contaminado, de maneira avassaladora, toda a classe dos parlamentares, "como nunca antes neste país". Líderes do governo e das oposições, integrantes de todos os partidos, há muitos anos têm feito os mais contundentes pronunciamentos contra o abuso de o Poder Executivo transformar em medidas provisórias todo e qualquer projeto de seu interesse, mesmo descumprindo neles a exigência constitucional de as medidas provisórias - netas dos decretos-leis da ditadura militar - serem sobre temas relevantes e urgentes. Na verdade, porém, todos acham muito cômodo o governo poupar-lhes o trabalho e a responsabilidade de fazer leis, tanto que só atacam o mecanismo ditatorial, com carradas de hipocrisia, sem lhes passar pela cabeça extingui-las de vez - como sempre puderam - e voltar a exercer a função de legislar.
Hipocrisia dos projetos eleitorais (dos eternos "candidatos de si mesmo"), com base em ambições pessoais, desvinculadas de planos partidários e administrativos concretos - Trata-se da provinciana mentalidade que julga "o direito legítimo à candidatura" de alguns somente para que não fiquem algum tempo afastados da mídia e esvaziando seu capital eleitoral, obtido por recall. Aí não se consideram os interesses reais da população. E é da renitência de alguns que surgem insolúveis crises partidárias, se alijam novas lideranças e se impede um sopro de renovação na vida pública. Ou não será hipócrita a pura ambição de poder, fora do momento de ser?
Hipocrisia de alardear programas sociais quando se fabricam vícios mortais - É o caso de uma empresa, grande fabricante de cigarros, que edita um belo jornalzinho, no qual dá conta das excelências de seu "Centro de Pesquisas e Desenvolvimento" (enaltecido por respeitado senador gaúcho, estampado na capa e apelidado de "o senhor salário mínimo") - de seu engajamento em favor do meio ambiente, da beleza de cartão-postal de seu Bar e Restaurante Praia Vermelha, na Urca, "onde várias unidades militares funcionam nas redondezas", dando conta também de todos os elogios que tem recebido da grande mídia e tudo mais. Só não toca no assunto do produto mortal que fabrica. Em lugar de tudo isso, por que essa empresa, para verticalizar com maior eficiência sua produção - e prestar um verdadeiro benefício social -, não constrói um grande hospital para tratar as vítimas de câncer, especialmente o pulmonar? Um moderno e bem equipado Hospital do Câncer Souza Cruz (Hocasocruz) não seria uma forma eficiente e digna de atender à vastidão de seus consumidores finais (e terminais)?
Hipocrisia de instituições que faturam com a ética - Talvez o Brasil seja o único país do mundo em que o conceito de ética, objeto de reflexões filosóficas profundas em toda a História do conhecimento humano, se tenha tornado um produto extremamente rentável, capaz de atrair polpudos subsídios públicos e privados, nacionais e internacionais, gerando empresas muito bem organizadas e assentadas na melhor economia de escala. Seus dirigentes, embora não muito familiarizados com grandes pensadores que se preocuparam com o tema - como Aristóteles, Kant ou Espinosa -, proferem suas concorridas e bem remuneradas palestras embasadas em profundas lições extraídas dos best-sellers de auto-ajuda norte-americanos, que esparramam éticas a granel. E como já são muitas essas instituições, suas grifes já fazem acirrada disputa de mercado. E bota ética nisso.
Hipocrisia estatística - O governo já está divulgando que o brutal aumento de acidentes nas estradas, nos feriados do fim de ano, se deveu ao aumento de velocidade nas estradas retas e sem buracos. É de se esperar (quem sabe por medida provisória) uma lei que obrigue à preservação das crateras nas rodovias, para efeitos de segurança.
Hipocrisia telefônica - "Sua ligação é muuuito importante para nós!" Se é, por que não atendem?