Vamos aos casos. Em 25 de julho do ano passado, o presidente Lula baixou um decreto estabelecendo regras para controlar com maior rigor os convênios celebrados entre o governo federal e os Estados, os municípios e as entidades sem fins lucrativos, como as organizações não-governamentais (ONGs) e os sindicatos. Tais convênios, cujos repasses consomem anualmente cerca de R$ 12 bilhões do Orçamento-Geral da União, têm sido objetos freqüentes de escândalos, por irregularidades e desvios - e o decreto foi anunciado, portanto, como medida moralizadora.
O decreto começaria a vigorar a partir de 1º de janeiro de 2008, mas no dia 27 de dezembro o Planalto editou outro decreto, adiando sua vigência para 1º de julho - com o que deu mais seis meses de lambuja a quem se aproveita da permissividade das regras atuais.
Esse adiamento do rigor maior na fiscalização e transparência nos repasses dos recursos da União ocorre em um ano de eleições municipais e coincide com o período em que o governo federal pode firmar convênios de repasses com os municípios - já que o Código Eleitoral impede que nos três meses que antecedem as eleições a União faça transferências voluntárias a Estados e municípios, a não ser em convênios de obras e serviços já assinados e em andamento ou em situações de emergência. É claro que os recursos federais são instrumentos importantíssimos - seja nas mãos de prefeitos, seja utilizados pelas ONGs - para a realização de obras em anos eleitorais.
O segundo caso é a extensão do programa do Bolsa-Família para beneficiar pessoas de 16 e 17 anos, por meio de medida provisória (MP) editada três dias antes da virada do ano. Observe-se que a ampliação do programa já consta de projeto de lei em tramitação na Câmara dos Deputados, que ainda não entrou em pauta de votação. Obviamente, o Planalto considerou que a proximidade do réveillon dava ao assunto os requisitos constitucionais de relevância e urgência necessários para a edição de uma MP.
É que a Lei nº 11.300, sancionada em 2006, proíbe, durante todo o ano eleitoral, a distribuição gratuita de bens, valores ou benefícios por parte da administração pública, com exceção dos casos de calamidade pública, estado de emergência ou "programas sociais autorizados em lei e já em execução orçamentária no exercício anterior".
Com a ampliação do programa, Lula dá um bônus mensal de R$ 30 para adolescentes de 16 e 17 anos - antes, o benefício atingia apenas as famílias com crianças de até 15 anos, no limite de três beneficiadas. Além disso, a medida provisória - publicada em edição extra do Diário Oficial do dia 29, com data retroativa ao dia 28 - aumentou o valor máximo do benefício do Bolsa-Família, de R$ 112 para R$ 172.
Se já eram óbvios demais, para precisarem ser referidos, os benefícios eleitorais do Bolsa-Família, a criação dessa "mesada" para os jovens adolescentes que já podem tornar-se eleitores é de uma clareza capaz de cegar os olhos.
Mas, para deixar igualmente claro que não privilegia apenas os adolescentes com o dinheiro dos contribuintes - sem submeter o programa ao exaustivo debate que precede a votação dos projetos de lei e que a tramitação das MPs abrevia -, o presidente Lula determinou, na mesma medida provisória, que, para ganhar a bolsa de R$ 100 do ProJovem, a idade-limite do beneficiado, que era de 24 anos, passa a ser de 29 anos.
Por sobre essas duas espertezas talvez esteja uma outra: a de que as oposições jamais terão a coragem de, em pleno ano eleitoral, contestar - política ou judicialmente - essas extremas bondades, dando assim "um tiro no pé", como à hipótese se referiu o presidente Lula.
Não é de esperteza em esperteza que se faz uma democracia.