Nos ensaios biográficos de Os Heróis, Paul Johnson
mostra como a força de indivíduos influi na história
Jerônimo Teixeira
Talvez não exista hoje historiador tão versátil e prolífico quanto Paul Johnson. Com 79 anos e mais de quarenta livros publicados, o inglês já narrou a trajetória de judeus, cristãos e americanos, produziu compêndios de história da arte e biografou Napoleão Bonaparte e George Wash-ington. Johnson é também um destemido polemista, sempre feliz de propagar suas posturas conservadoras. Não sofre do temor pueril de muitos intelectuais – o de passar por "antiquado". Era preciso um homem como ele para restaurar uma noção que parece pertencer ao passado sépia: o heroísmo. O homem ou mulher que se levanta sobre o comum das gentes era objeto de fascínio de vitorianos como Thomas Carlyle – autor de Sobre Heróis, o Culto aos Heróis, e o Heróico na História –, mas não é mais um tema digno da historiografia moderna. Foi substituído por processos coletivos – a "luta de classes" dos marxistas – ou impessoais – as forças do mercado dos liberais. Os Heróis (tradução de Marcos Santarrita; Campus/Elsevier; 280 páginas; 59 reais), coletânea de ensaios biográficos de Paul Johnson, reclama novamente um lugar na história para os fortes. Ele produziu um livro idiossincrático, tanto na curiosa escolha de biografados (de Boudica, remota heroína nacional inglesa do século I, à fulgurante Marilyn Monroe) quanto nos detalhes inusitados sobre os quais se debruça (a halitose de De Gaulle, para ficar com apenas um exemplo pitoresco).
Centrado em estudos de caso, Os Heróis não traz uma "teoria do heroísmo". Na introdução, Johnson adverte que tomou a palavra herói no senso mais dilatado possível: "é herói qualquer um encarado (...) como heróico por uma pessoa racional, ou mesmo irracional". A definição vaga torna o livro demasiadamente eclético. Ao lado de homens que se fizeram na arena pública e no campo de batalha, como George Washington, o primeiro presidente americano, e o duque de Wellington, militar britânico que derrotou Napoleão em Waterloo, Johnson também apresenta heróis das letras e do intelecto, como a reclusa poeta americana Emily Dickinson e o filósofo austríaco Ludwig Wittgenstein. São capítulos que caberiam melhor nos livros anteriores do autor, Os Criadores e Os Intelectuais.
O heroísmo não está livre de perigos. Cultuado pelos homens que comanda, freqüentemente o herói sofre a tentação ditatorial. Johnson alerta para essa tendência no exame de dois nomes da Antiguidade: o macedônio Alexandre e o romano Júlio César. Líderes militares de gênio e, para os parâmetros do período, governantes modernizadores, foram também rematados tiranos. A combinação de heroísmo e autoritarismo se daria, já no século XX, na figura do general francês Charles de Gaulle, líder que não convivia bem com a crítica e que, na presidência da França, processou opositores. Em contraste com o "monstro heróico" que teria sido De Gaulle, Johnson, orgulhoso inglês, apresenta Winston Churchill, "o arquétipo do herói do século XX". Como César, autor de um livro sobre a Guerra da Gália, Churchill deixou ele mesmo sua versão dos eventos que protagonizou em suas memórias da II Guerra Mundial. Mas, ao contrário do romano, Churchill não amava o poder sobre todas as coisas. Era um fiel súdito da democracia – quando os eleitores não o desejaram mais na cadeira de primeiro-ministro, em 1945, ele deixou o cargo sem ressentimento.
Johnson tem um pendor por líderes pragmáticos, que se guiavam mais pela exigência dos fatos do que por preconceitos ideológicos. Ele reconhece essa qualidade em Elizabeth I, rainha da Inglaterra de 1558 a 1603. Embora seu reinado seja muito lembrado pela vitória contra a Armada espanhola, o grande mérito de Elizabeth foi ter sempre que possível evitado a guerra, permitindo uma época de inédita prosperidade aos seus súditos. "Elizabeth julgava melhor não tomar decisão alguma do que tomar a errada", diz Johnson. Outro líder pragmático destacado em Os Heróis é Abraham Lincoln, presidente americano durante a Guerra da Secessão, conflito civil que rasgou o país ao meio. Lincoln parecia sofrer do que um psiquiatra diagnosticaria como depressão, tendência que contrabalançou com um senso prático e um desejo permanente de mudar as situações injustas – como a escravidão – dentro do império da lei.
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Entre a santidade e o heroísmo |
O último capítulo de Os Heróis é dedicado à "trindade que derrotou o urso" (isto é, que derrubou o comunismo): o presidente americano Ronald Reagan, a primeira-ministra inglesa Margaret Thatcher e o papa João Paulo II. Johnson não se detém muito sobre os desdobramentos políticos e econômicos da fase final da Guerra Fria. Prefere examinar a personalidade dos seus três heróis. Parece sugerir que a mise-en-scène – o figurino e o cabelo alinhados de Thatcher, as piadas de Reagan, os modos simples de João Paulo II – foi tão importante quanto a estratégia política. A admiração de Johnson pelos três personagens chega quase à tietagem, pontuada, no entanto, por observações agudas sobre os defeitos pessoais dos retratados: a voz estridente de Thatcher, a ignorância cultural de Reagan. João Paulo II é o único tratado com absoluta reverência: o papa que ajudou a derrotar o comunismo na sua Polônia natal e nos outros países do Leste Europeu estaria, diz Johnson, na fronteira entre o heroísmo e a santidade.
Os Heróis contempla apenas personagens admirados pelo autor, mesmo que com alguma reticência, como no caso de De Gaulle. O heroísmo, porém, é relativo. Johnson lembra que, "durante toda a história, o herói de um é o vilão de outro" (e o próprio historiador, em um parágrafo infeliz, inclui o ditador chileno Augusto Pinochet no seu panteão pessoal de heróis). Talvez tenha faltado um capítulo ao livro: um exame dos ditadores, assassinos e bandidos que, em seu tempo e lugar, ganharam status de heróis. Seria talvez inapropriado incluir Hitler, Mao Tsé-tung e Che Guevara em um livro que canta a glória de indivíduos exemplares. Mas, por contraste, a grandeza de homens como Lincoln e Churchill sairia ainda mais destacada.