Entrevista:O Estado inteligente

domingo, janeiro 06, 2008

Gaudêncio Torquato O País quer rapidez


O que os brasileiros esperam de seus representantes e governantes em 2008? Há múltiplas respostas para a pergunta, de acordo com as camadas populacionais. Mas vale apostar na hipótese apontada por Ortega y Gasset de que as massas executam, hoje, um repertório que coincide, em grande parte, com o que antes parecia exclusivamente reservado às minorias. Depreende-se, assim, um sentido de autonomia inerente ao espírito popular, que lhe confere certo grau de independência, consciência sobre direitos e capacidade crítica. Se o soldado de hoje tem muito de capitão, ainda na esteira da reflexão que o grande pensador espanhol fazia em 1926, podemos aduzir que as massas, os homens médios e as elites se cruzam no espaço de interesses convergentes. Logo, é razoável supor que as expectativas sociais para o ano que se inicia são pautadas por um denominador comum.

Se assim é, vamos direto ao primeiro ponto: a sociedade quer ver o império da verdade suplantando o reino da mentira. Chegamos ao fundo do poço em matéria de promessas vãs, mentiras deslavadas, palavras descumpridas e qualificações desmesuradas. Desde os primórdios de seu processo civilizatório, o País mergulhou nas águas da imprecisão, da incerteza e da intemperança, característica que se acentuou na esfera política, hoje quase sinônimo de oportunismo. Distanciada do pensamento cartesiano, retilíneo e preciso, a cultura brasileira bebe água numa fonte impressionista, de onde jorra o manancial de postergações, tergiversações e elucubrações. Roberto Campos, exímio na arte de atirar contra a improvisação, narra: “O Brasil tem a propriedade de, no começo, anedoticamente divertir, depois exasperar e, por fim, desesperançar aqueles que confiam na racionalidade, na procura de causas e efeitos e na seqüência do discurso como sujeito-verbo-predicado.” Quem se lembra de que, há poucos dias, o presidente da República repudiava qualquer tentativa de aumento de impostos para compensar o fim da CPMF? Agora, o governo anuncia um pacote para arrecadar mais R$ 10 bilhões. Em que expressão acreditar, na de ontem ou na de deboche do ministro Mantega, para quem a promessa de Lula só valia para 2007?

O jogo da verdade implica transparência, virtude abolida da agenda política. Governos estaduais, prefeituras e outras instâncias ganham fama - e denúncias - por desviarem recursos de um lugar para outro e encobrirem determinados gastos. Em certos Estados, Tribunais de Contas fazem de conta que examinam a aplicação de verbas. Observe-se que parcela considerável dos conselheiros é oriunda do mundo político. Outro flagrante recente de falta de transparência: a três dias do final do ano, o governo editou medida provisória para conceder um bônus de R$ 30 a adolescentes de 16 e 17 anos. Antes, o benefício era distribuído a crianças de até 15 anos. Sob o barulho das festas, não se prestaria atenção a mais um ribombar do tambor assistencialista com o qual a administração federal alisa a base da pirâmide social. Seria de esperar que o fator eleitoreiro, particularmente forte no ano que abriga a eleição de 5.560 prefeitos e 52 mil vereadores, não se excedesse, até para evitar confrontar a Lei 11.300, de 2006, que proíbe distribuição de bens, valores ou benefícios em ciclo eleitoral, excetuando-se casos de calamidade pública.

Mas a arena política não dá trégua aos contendores. Eleições de dois em dois anos contribuem para inflacionar o custo da política. Ademais, 2008 abrigará o mais importante pleito municipal do calendário contemporâneo, na medida em que será a base de lançamento dos postulantes de 2010, quando o País assistirá a uma disputa que deixará marcas nas páginas da História, eis que estarão em jogo o projeto lulo-petista, centrado na estratégia de comandar o País por longo prazo e amparado em ampla aliança partidária, e a retomada do poder pelo oposicionismo, liderado por tucanos e democratas. O ano que começa, portanto, será bastante propício a cambalachos, ondas de corrupção e cachoeiras de cooptação. Quem acredita, por exemplo, que o governo cortará emendas de parlamentares para compensar perdas com a queda da CPMF? Querer transparência e limpeza nos dutos da política é uma utopia que carece ser conservada no azeite do mais ardente civismo.

O povo bem que gostaria de ver os políticos desfraldando a bandeira ética. Candidatos à reeleição nas prefeituras deveriam afastar-se do cargo seis meses antes, dando exemplo de distanciamento da máquina pública. Atenuariam, assim, o uso das estruturas, sinalizando compromisso com o desapego e a imparcialidade. Em relação ao Congresso Nacional, as expectativas sociais são mais que óbvias: os representantes precisam cumprir o dever, de acordo com o que o ordenamento jurídico lhes impõe e com o compromisso acertado com os eleitores. É ação e menos discurso que a população quer. A agenda parlamentar será mais curta, pois o segundo semestre abrigará as campanhas municipais. É preciso mudar a regra pela qual, em ciclo eleitoral, não se aprova mudança no campo político. Há aspectos amadurecidos e prontos para serem votados, como o capítulo do sistema de voto, a limpeza na burocracia que emperra o sistema produtivo e a unificação do ICMS, entre outros.

Não é só a Justiça que é lenta, o Congresso também. Urge desencalhar os projetos com selo de urgência. O País quer mais rapidez. Como a do pintor da historinha chinesa. O rei pediu a Chuang-Tsê que desenhasse um caranguejo, missão que o desenhista prometeu cumprir em cinco anos, e muito bem recompensada. Passado o tempo, o rei cobrou-lhe o desenho, mas ele pediu mais cinco anos. Após o décimo ano, o rei voltou à carga. O pintor, então, pegou o pincel e, num instante, com um único gesto, desenhou o mais perfeito caranguejo que jamais se viu. O Brasil de 2008 precisa da agilidade de Chuang-Tsê.

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