A História recente mostrou que os países que conseguiram “dar um salto” atenderam ao mesmo tempo aos desafios dos mercados globalizados e às necessidades das populações locais. Fizeram isso quando foram capazes de definir o futuro sem medi-lo pelo calendário eleitoral e produziram um relativo consenso sobre metas de, pelo menos, médio prazo. Assim foi com a China, cujo calendário é medido por gerações e cujos mecanismos de convergência dispensam a representação política democrática, mas não algum tipo de participação ampliada nas decisões. No mundo ocidental, onde prevalecem as regras de representação democrática e a soberania do voto popular, mesmo sem uniformidade de visões, criam-se valores e mecanismos para que a alternância de poder respeite certo grau de continuidade nos objetivos nacionais pactuados implícita ou explicitamente. Tal foi o caso da Espanha, bem como, em outras circunstâncias, do Chile.
No Brasil, de forma esdrúxula, partidos que se guerreiam politicamente, como o PSDB e o PT, não têm impedido que a sociedade venha formando, pouco a pouco, um certo consenso. Não será o momento, neste início de ano-novo, para uma reflexão política mais madura que aclare os caminhos possíveis e desejáveis que, sem eliminar as discrepâncias políticas no que elas têm de efetivo, diminuam a retórica que atrapalha a percepção das alternativas e a definição das metas?
A primeira grande questão que se coloca, do ângulo dos desafios da globalização, é a de definir como enfrentar a presença crescente da China e das demais economias emergentes. A China nos tem prestado enorme auxílio com o aumento dos preços internacionais de matérias-primas e alimentos que o seu crescimento acelerado provoca. Sem ele nossas contas externas não mostrariam a saúde atual. Ela, porém, nos desafiará cada vez mais com uma oferta crescente de produtos manufaturados, não apenas os de baixo custo, nos quais é imbatível, mas também os de maior sofisticação tecnológica, para o que se está preparando. Pior ainda, o efeito positivo do aumento das exportações de commodities colabora para a valorização do real, o que dificulta a exportação de manufaturas. O Brasil não deve renunciar ao que conseguiu a duras penas: sua base industrial. Para aprimorá-la e ampliá-la precisará de muita inovação e de muita agregação de valor aos novos produtos. Estamos desafiados, portanto, a fazer na indústria o que fizemos na agricultura e na mineração, o desenvolvimento de novas tecnologias e da capacidade empresarial.
Se for assim, a meta correlata há de ser a de definir as áreas estratégicas em que nos devemos concentrar para, em seguida, avançar mais no desenvolvimento científico-tecnológico. A área mais óbvia parece ser a da energia, dada a disponibilidade de terras e de tecnologia para a produção do etanol e dos biocombustíveis e dadas as reservas disponíveis para o aumento da exploração do petróleo e do gás. Essas atividades permitem e requerem a expansão da base industrial, desde a implantação da indústria alcoolquímica até a produção de equipamentos. Mas não é a única área. Temos à disposição gente e cérebros para avançarmos na informática, na microeletrônica, na nanotecnologia, e assim por diante, sem esquecer os produtos sofisticados que podem ser resultantes do uso racional da biomassa, à condição de respeitarmos o meio ambiente e aplicarmos políticas mais vigorosas em sua preservação.
Não é possível ser exaustivo. Bastam os exemplos acima para ver que, se nosso futuro depende de escolhas sobre as áreas econômicas em que nos devemos concentrar, ele só estará de fato a nosso alcance se fizermos concomitantemente uma revolução educacional. Não será esse um terreno para que os partidos e a sociedade se articulem para discutir como financiar o salto à frente educacional, quem sabe com recursos provenientes da exploração do grande manancial petrolífero que se anuncia? E para definir que medidas práticas tomar para gerenciar a educação, formar mais e melhores professores e pagar-lhes melhor?
Por falar em financiamento de longo prazo, todos sabemos que a crise fiscal do Estado não poderá ser superada sem a contenção dos gastos correntes, puxados por despesas (e déficits) cada vez maiores da Previdência Social e pela expansão indiscriminada da máquina pública. Não haveria possibilidade de acordo nessa área? E a tão ansiada reforma tributária, se vista com menos ambição e maior objetividade, não poderia, de fato, ser objeto de negociações maduras entre partidos, governos e sociedade para lográ-la, digamos, no decorrer deste ano? E não será possível uma definição adequada do papel das agências reguladoras - condição indispensável para desatar o nó da infra-estrutura -, evitando-se o doutrinarismo e seu “aparelhamento” para servir aos partidos?
E será, santo Deus!, que não clama aos dirigentes do País que os escândalos seguidos e a corrupção impune minam a confiança no Estado e no governo e terminam por deitar ladeira abaixo as expectativas e a confiança da sociedade no futuro do País? Não poderemos aproveitar o bom momento da economia mundial e nacional para aumentar os controles nos desatinos, na roubalheira e na corrupção política? Será impossível modificar as regras eleitorais e a legislação partidária com vista a aumentar a responsabilidade dos eleitos perante os eleitores e de ampliar os canais de participação sem pretender substituir a democracia representativa pela manipulação eleitoral plebiscitária das massas? E não será o momento para acelerar as modificações nas regras do processo civil e nos códigos de execução penal para que a cidadania se sinta mais segura e de fato protegida pela lei, que passará a valer para todos? Não se fará tudo isso em só um ano. Mas o roteiro do futuro pode ser delineado.
Quem sabe seja otimismo de ano-novo. Mas, se os responsáveis pela condução da vida pública, a começar pelo presidente, incluindo os dirigentes da oposição, em vez de nos aferrarmos à retórica e às picuinhas, olharmos para a frente sem desprezar o passado que construímos, talvez haja esperança. A iniciativa está, portanto, com os que foram eleitos para governar o País, e não apenas para se vangloriarem do já feito, pois ainda há muito por fazer.
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, janeiro 06, 2008
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