O espetáculo midiático montado pelo presidente Hugo Chávez em torno da vaga promessa das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc) de libertar três reféns só poderia terminar em fiasco. O caudilho venezuelano, que havia sido exonerado pelo presidente Álvaro Uribe das funções de mediador do conflito colombiano, quando exorbitou de suas atribuições, não é a raposa política que a sua máquina de propaganda pinta. Chávez acreditou piamente na oferta de libertação dos três reféns, que as Farc apresentaram como um ato de “desagravo” a ele, por ter sido dispensado abruptamente por Uribe. E montou uma espalhafatosa operação para acolher as vítimas da narcoguerrilha, que só seriam entregues ao governo venezuelano, por exigência da liderança das Farc. O presidente Álvaro Uribe permitiu o uso de solo colombiano para a operação dirigida por Chávez e passou, apenas, a observar os acontecimentos a distância.
O caudilho dirigiu, soberano, o espetáculo. São inesquecíveis as cenas, transmitidas pela televisão, do presidente Hugo Chávez, vestido com uniforme militar de campanha, explicando a jornalistas e representantes de países vizinhos, França e Suíça - convocados para testemunhar o triunfo do caudilho - como seria feita a entrega dos reféns. Debruçado sobre um mapa, nele traçou as rotas que seriam seguidas pelos helicópteros venezuelanos. Seus minutos de fama como grande estadista e estrategista militar esvaíram-se rapidamente.
As Farc não entregaram suas vítimas e o circo foi desarmado melancolicamente.
As Farc, em mais de 40 anos de existência, jamais cumpriram um acordo. Só se dispõem a algum tipo de negociação quando estão em grande desvantagem no campo militar e precisam ganhar tempo para recompor forças. Hugo Chávez sustenta que as Farc não são um grupo terrorista que sobrevive com os rendimentos do narcotráfico, do seqüestro e da extorsão. “Acredito que as Farc têm um projeto político”, diz ele.
De fato, têm. Originalmente, tinham um projeto maoísta. Agora, têm um projeto que, se for bem-sucedido, reduzirá a Colômbia a um centro produtor de drogas, dirigido por um bando reacionário e feroz. Mas os líderes das Farc não abandonam a retórica marxista - e isso faz sucesso em alguns círculos, na América Latina e na Europa. Também não fazem concessões de espécie alguma - o que significa que não negociam de boa-fé. Não foi à toa que, antes de Álvaro Uribe, fracassaram nas tentativas de negociação com o grupo os governos de Belisario Betancur, Virgilio Barco, César Gaviria, Ernesto Samper e Andrés Pastrana. Há duas décadas, um processo de pacificação levou todos os grupos guerrilheiros colombianos para a legalidade, exceto as Farc, que repeliram a oportunidade. Também se frustraram tentativas de negociação feitas por outros países, individualmente ou em grupo, agências multilaterais, como a ONU, e ONGs com atuação internacional.
A médio prazo, o objetivo das Farc é o reconhecimento, pela comunidade internacional, do estado de beligerância. Com isso, o grupo poderia obter reconhecimento oficial por alguns governos estrangeiros e obrigar o governo colombiano, em última análise, a uma forma de governo compartilhado. Foi com esse objetivo que as Farc iludiram o presidente Andrés Pastrana com promessas de pacificação que o levaram a entregar aos narcoguerrilheiros 42 mil km² de território colombiano durante três anos e meio. Foi com esse objetivo que as Farc ofereceram entregar três reféns, num espetáculo que teria a participação de um presidente da República, Hugo Chávez, do ex-presidente Néstor Kirchner e de representantes oficiais de mais seis países.
A opinião pública mundial se condói com a situação dos três reféns. Mas é preciso considerar que as Farc mantêm em cativeiro cerca de 700 pessoas, algumas há dez anos. Durante esta década, elas seqüestraram 6.123 pessoas. Recentemente, executaram 21 deputados estaduais que haviam capturado.
As Farc não querem negociar. Querem que o Estado colombiano se renda incondicionalmente. Mas os colombianos não apóiam o programa revolucionário das Farc. Segundo o Gallup, há uma rejeição de 93% contra apenas 1% de apoio. São esses os fatos que governos como o do Brasil precisam considerar, antes de embarcar em aventuras espalhafatosas, como a liderada por Hugo Chávez na semana passada.
Entrevista:O Estado inteligente
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domingo, janeiro 06, 2008
O fracasso de Chávez
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