Antes do surto de euforia com a decisão da Fifa que confirmou a escolha do Brasil para sede da Copa do Mundo de 2014, já o presidente Lula exercitava o seu potencial inventivo com propostas mirabolantes de muita criatividade e pouco senso.
Sem compromissos com a realidade, o presidente aciona os neurônios para alimentar o jorro de fórmulas prontas ou de soluções singulares, que disparam na contramão da experiência.
Remexo nas minhas reminiscências. Ainda peguei os tempos do Departamento Administrativo do Serviço Público, o falecido e pouco lembrado Dasp, e da revolução que um elenco brilhante de técnicos, com cursos de especialização no exterior, promoveu sob a batuta de Simões Lopes na carunchosa burocracia do papelório, dos pistolões e da corrida pelos cargos em comissão de chefias que engordavam os magros vencimentos com gratificações que mal davam para pagar as passagens de bonde e o vespertino para a leitura na volta para a casa. Salvo os casos especiais dos cargos isolados de provimento efetivo, o sistema do mérito abria janelas e escancarava portas para o ingresso de quem se preparava para enfrentar as provas de diferentes graus de dificuldade.
Na ditadura do Estado Novo de Getúlio Vargas, com a imprensa censurada pelo Departamento de Imprensa e Propaganda, o DIP de vexaminosa memória, a clarabóia democrática do Dasp fez a revolução às avessas, permitindo que qualquer um do povo conquistasse o emprego público, com estabilidade, férias, aposentadoria e assistência médica por seu esforço, sem dever favor a ninguém.
Passei por bisado teste. No saguão do edifício do Ministério da Fazenda, na Esplanada do Castelo, o balcão do Dasp no painel dos avisos informava os concursos com inscrições abertas. Sem gastar um níquel, o candidato preenchia a sumária ficha de inscrição, recebia o folheto impresso com as matérias e tinha de ficar atento às datas para a realização das provas. Aprovado, o emprego estava garantido. Às vezes demorava, pois as vagas eram preenchidas em rígida obediência à lista de classificação. O concurso para o topo de Técnico de Administração, com provas escritas e orais, era um acontecimento que lotava o amplo auditório do MF atraído pelas argüições e debates entre os candidatos e os membros da banca.
A que vem este chorrilho de emboloradas lembranças de veterano repórter político que conquistou seu primeiro emprego como auxiliar de escritório, lotado exatamente no Dasp? Para a simples constatação que da ditadura civil para cá, entre períodos de ressurreição da democracia e quase 21 anos de ditadura militar, o serviço público andou para trás, como o caranguejo.
No mandato e meio do presidente Lula, o desatino baixou ao deboche. O monstrengo de 37 ministros e secretários empilhados na Esplanada dos Ministérios é o quadro panorâmico do despreparo e do descaso oficial pelos servidores públicos. Uma bagunça que se espalha como tiririca do Palácio do Planalto loteado em dezenas de bibocas ao anedótico Ministério do mago Mangabeira Unger, tenda de milagres para prever o futuro.
Nos tropicões de recentes improvisos, o nosso verboso orador virou a lógica de cabeça para baixo, agravou a memória do falecido Dasp e dá-se ao desfrute de sustentar a extravagância de que só se melhora o serviço público nomeando funcionários às centenas e milhares. Nada de concurso. Nos quadros petistas, embora desfalcados pelos 30 ou 40 mil já contemplados com cargos de confiança e de chefia, ainda tem muita gente à espera do emprego.
A fila dá a volta ao mundo.
[ 03/11/2007 ]