Os pelegos
A reação contra o fim do imposto compulsório só se diferenciou nos métodos. Os sindicatos patronais trabalharam em silêncio nos bastidores diante da sugestão do governo de que, na negociação sobre a prorrogação da CPMF, poderia entrar o fim do desconto das empresas para o chamado Sistema S (Sesi, Sesc, Senai e Senac), que representa cerca de R$ 11 bilhões este ano. A sugestão era apenas uma pequena implicância do ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, pois o governo está irritado com a atuação do presidente da Fiesp, Paulo Skaf, pedindo o fim da CPMF.
Já os sindicalistas que representam os trabalhadores partiram para o jogo pesado das agressões, até mesmo físicas. Tudo indica que os dois métodos deram resultado, pois o sistema S continuará sendo abastecido pela contribuição obrigatória das empresas, enquanto o Senado dá mostras de ter sido “convencido” pela truculência sindicalista e, se não houver uma reação dos que ainda têm dignidade a defender naquela Casa, deve mudar o projeto que aprovou, na Câmara, o fim do imposto compulsório.
Mas, não há muitas esperanças, depois que houve uma solidariedade suprapartidária à renúncia do deputado tucano Ronaldo Cunha Lima, um golpe na Justiça. Uma demonstração de que o corporativismo está acima das leis no Senado.
Um pouco de História neste momento, em que a truculência deu lugar à argumentação, pode servir de sugestão para os que estão a ponto de tomar a decisão de mudar o sindicalismo brasileiro, dando-lhe autonomia do governo.
Foi editado, este ano, pela Lex Editora S.A., o livro “100 anos de sindicalismo”, de autoria do ex-ministro do Trabalho e do TST e advogado de atuação no sindicalismo Almir Pazzianotto. Nele um aspecto pouco conhecido na nossa história é analisado: coube ao governo Affonso Penna (15/11/1906 14/06/1909) a criação de sindicatos profissionais e de cooperativas, através do Decreto no1.637 de 5/1/1907.
Segundo Pazzianotto, o decreto foi inspirado na legislação sindical francesa de 1884, adotando o princípio de autonomia de organização, como prescrevia o artigo 2o com o seguinte texto: “Os sindicatos profissionais se constituem livremente, sem autorização do governo, bastando, para obterem os favores da lei, depositar no cartório do registro de hipotecas do distrito respectivo três exemplares do estatuto, da ata de instalação e da lista nominativa dos membros da diretoria, do conselho e de qualquer corpo encarregado da direção da sociedade ou da gestão dos seus bens, com a indicação da nacionalidade, da idade, da residência, da profissão e da qualidade de membro efetivo ou honorário.
O oficial do registro de hipotecas é obrigado a enviar, dentro dos oito dias da apresentação, um exemplar à Junta Comercial do estado respectivo e outro ao procurador da República. Este deverá, dentro de três meses da comunicação, remeter recibo com a declaração de regularidade.
Se, findo o prazo acima, o procurador não o tiver feito ficarão sanadas as irregularidades.” Tudo simples, sem burocracia.
Pazzianotto comenta ainda que “com notável antecedência”, o decreto previa, no art. 5o a formação de conselhos permanentes de conciliação e arbitragem, destinados a dirimir conflitos entre trabalhadores e patrões.
Também Evaristo de Moraes Filho, em seu livro sobre a unicidade sindical que se transformou num marco no estudo do sindicalismo no Brasil, registra que: “animadas com os resultados do Congresso de 1906, e com a promulgação de um decreto que lhes regulava a organização em sindicato, convocaram as classes operárias outro congresso, que se realizou no Rio de Janeiro, no Palácio Monroe, de 7 a 15 de novembro de 1912, sob a orientação do deputado Mário Hermes.
O grande número das organizações que se fizeram representar nesse novo congresso é bem um índice animador da situação sindical naquela época.” Em entrevista à revista Fórum, o ex-ministro Pazzianotto ressalta que, ao pretender organizar as classes trabalhadoras e patronais, Affonso Penna procurou colocar essas organizações completamente fora do alcance da intervenção do Estado. A lei não dava ao Estado o direito de intervir nos sindicatos, embora ocorressem intervenções; mas não eram decorrentes do texto da lei.
Já a lei de Vargas, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), lembra ele, dava ao Ministério do Trabalho a prerrogativa da intervenção, sempre que ocorresse uma circunstância que o governo considerasse grave.
Esta possibilidade continua prevista na CLT até hoje. A constatação de Pazzianotto é direta: “O governo do presidente Affonso Penna, e não o de Getulio Vargas, foi o fundador do sindicalismo ordenado no Brasil.” Seria ótimo se voltássemos aos tempos de Affonso Penna, um retrocesso positivo, em contraste com a atitude dos pelegos pós-modernos.
Já que o ministro do Supremo Joaquim Barbosa considerou publicamente “um escárnio” — com toda a razão, mas contrariando a regra que manda o juiz não se pronunciar sobre processo do qual é relator — a renúncia do deputado Ronaldo Cunha Lima para escapar do julgamento da tentativa de assassinato contra o exgovernador Tarcísio Buriti em 1993, deveria tomar a decisão de prosseguir com o julgamento, pois houve “manifesto abuso do direito com o fim de escapar da sanção penal”. Seria uma decisão mais eficaz do que seu comentário.
O caso também expõe com crueza as mazelas de nossa legislação, e a leniência do Supremo Tribunal Federal. O processo está no STF desde 1995.
Entrevista:O Estado inteligente
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