Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 20, 2007

A resistência a Chávez


editorial
O Estado de S. Paulo
20/11/2007

Quando mandou o ministro do Interior comunicar que o governo venezuelano não autorizará a realização de manifestações de rua - leia-se, de estudantes contrários à Constituição liberticida que a Assembléia acaba de aprovar, ad referendum do eleitorado venezuelano - que possam degenerar em violência, o caudilho Hugo Chávez nada mais fez que manipular grosseiramente os fatos, como é seu costume. Há cerca de um mês ele vinha tolerando passeatas de estudantes para pressionar o governo a adiar, por pelo menos dois meses, o referendo, marcado para 2 de dezembro, que decidirá o futuro constitucional do país.

Acontece que o movimento liderado pelos universitários assumiu proporções que assustaram Chávez. E assim os estudantes, que antes ele chamava de “filhinhos de papai”, passaram a ser “lacaios do império”, “fascistas” e “traidores”. Pior que isso, as milícias bolivarianas - que são disciplinadas e obedientes - passaram a agredir os estudantes e a invadir campus universitários. Houve casos em que os milicianos atacaram os estudantes protegidos pelos escudos da tropa de choque que deveria manter a ordem. Em pelo menos três ocasiões manifestantes foram feridos a tiros - e um dos pistoleiros, fotografado com a arma na mão, era um deputado chavista.

Se Hugo Chávez estivesse preocupado com a ordem pública, refrearia os seus violentos seguidores. Mas o fato é que os “filhinhos de papai” se organizaram e estão mobilizando a opinião pública contra a Constituição que “legitimará” a ditadura perpétua do coronel golpista. O movimento surgiu espontaneamente na Universidade Central, a maior do país, e logo se espalhou pelas outras universidades de Caracas e das principais cidades da Venezuela. Não está vinculado aos partidos carcomidos que infelicitaram o país e, como diz um dirigente estudantil, “somos um movimento sem ideologia de esquerda ou direita; nos unimos pelos direitos humanos”.

Mas os estudantes não estão sós nem o chavismo é um bloco monolítico. Oito parlamentares do Partido pela Democracia Social (Podemos) tornaram-se, durante o processo de aprovação da Constituição, uma pedra no sapato de Chávez. Numericamente, eles quase nada são numa Assembléia formada por 179 parlamentares - todos integrantes do chavismo, já que as oposições não concorreram nas eleições de 2005. Mas eles se tornaram um símbolo da resistência aos golpes de Chávez desde que se recusaram a dissolver o Podemos para se integrar no Partido Socialista Unido da Venezuela, que o caudilho criou. A partir daí passaram a ser tratados como “traidores”. E, quando se colocaram contra a nova Constituição liberticida de Hugo Chávez, descobriram que, na Venezuela do caudilho, a dissidência é tratada como se delito fosse. Esse pequeno grupo enfrentou o rolo compressor ditatorial e usou a tribuna parlamentar para denunciar o abuso - e, com isso, conquistou o respeito de parcela ponderável da opinião pública.

Outra respeitada voz que se ergue contra o estupro constitucional é a do general Raúl Baduel, ministro da Defesa de Chávez até julho passado, que deixou o governo por não concordar com o novo golpe do coronel. Foi ele quem garantiu a volta ao poder de Chávez, em 2002, quando um golpe o apeou da presidência. Hoje, Baduel usa o mesmo argumento de cinco anos atrás: repúdio a qualquer tipo de golpe de Estado - e é assim que classifica a mudança constitucional “fraudulenta” patrocinada por Chávez.

Baduel tem exortado publicamente o povo venezuelano a rejeitar, por meios democráticos, a imposição da ditadura constitucional de Chávez. Os eleitores, diz ele, não podem aprovar uma constituição que acaba com os direitos de livre escolha de seus governantes e de propriedade. Mas a resistência só será vitoriosa, adverte, se os líderes dos diferentes movimentos de oposição se unirem em torno do objetivo comum: rejeitar a Constituição no referendo.

Pesquisas de opinião mostram que 70% da população se opõe à nova constituição. Mas a parcela majoritária está dividida ao meio, entre os que querem votar não e os que querem se abster. Há dois anos, a tese da abstenção prevaleceu e Chávez passou a controlar uma Assembléia democraticamente eleita, com as conseqüências conhecidas. Se em dezembro os venezuelanos voltarem a se omitir, estarão abdicando expressamente de suas liberdades.

Arquivo do blog