Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 16, 2007

Renan será julgado no plenário pela segunda vez

Brasil
Por um punhado de imposto

O presidente licenciado do Congresso deve ser salvo mais
uma vez pelo plenário do Senado. A conta é da CPMF


Otávio Cabral

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Quadro: Cassação aprovada

Pela segunda vez em dois meses, o plenário do Senado vai se reunir para julgar o senador Renan Calheiros, presidente licenciado do Congresso. Pela segunda vez, Renan Calheiros é acusado de quebrar o decoro parlamentar, agora por manter uma sociedade secreta em veículos de comunicação. Apesar disso, Renan Calheiros está tranqüilo e confiante em uma nova absolvição. O senador se acredita protegido pelo voto secreto e conta com ele para continuar exercendo o mandato. À luz das revelações sobre suas malfeitorias feitas nos últimos seis meses, sua permanência no cargo é um péssimo exemplo. O presidente licenciado tinha um lobista de empreiteira a pagar-lhe as despesas pessoais, intermediava interesses escusos junto ao governo, mantinha negócios com uma fábrica de cerveja, empregava um contrabandista no gabinete e enriqueceu fazendo política – isso só para listar os feitos de domínio público. Para se manter no cargo, ameaçou adversários, constrangeu aliados e espionou colegas. O julgamento desta quinta-feira, como lembrou o senador Jefferson Péres, autor do segundo pedido de cassação, é sobre o conjunto da obra de Renan.

Ailton Cruz
Rudiney Mattoso (no canto): assessor de gabinete, fotógrafo, locutor de Renan Calheiros e preso por contrabando

No Conselho de Ética, os parlamentares aprovaram o relatório de Jefferson Péres por uma folgada maioria. À exceção dos três senadores do PMDB, os demais integrantes do conselho concordaram quanto à existência de indícios incriminatórios na conduta do senador. Eles viram as provas da compra de veículos de comunicação em Alagoas por meio de "laranjas", testas-de-ferro, para esconder sua participação nos negócios (veja o quadro abaixo). Na mesma sessão, os senadores arquivaram a acusação juridicamente mais fraca, aquela em que Renan aparece fazendo lobby para uma cervejaria. Como o Conselho de Ética é integrado por representantes de todos os partidos, Renan Calheiros, em tese, deveria estar muito preocupado com seu futuro imediato. Afinal, se o plenário seguir a mesma lógica do conselho, é grande a probabilidade de ele ser banido da política até o ano de 2015. Mas não é assim que as coisas funcionam no Congresso. Ao contrário do que ocorre no conselho, no plenário a votação do processo é secreta. Sem o olho do eleitor presente, valem os interesses imediatos de cada parlamentar. As mesmas condições prevaleceram na sessão fatídica na qual Renan se livrou da acusação de quebra de decoro por ter as despesas pagas por um lobista. No conselho, os representantes petistas votaram a favor da cassação. Na hora de referendar a decisão no plenário, resolveram se abster. A alegação então foi de falta de provas da culpa do senador alagoano. Com base nela, os petistas encontraram terreno fértil para costurar um acordo destinado a salvar Renan em troca de sua renúncia à presidência.

A tranqüilidade atual de Renan Calheiros revela estar em andamento uma estratégia muito parecida para absolvê-lo novamente – mais uma vez com a participação dos mesmos personagens do show de impunidade anterior, os senadores petistas. O governo precisa aprovar até o fim do ano a prorrogação da CPMF, mas tem encontrado muitas dificuldades no Senado. Renan Calheiros se ofereceu para prestar mais esse serviço. Se o PT ajudar a livrá-lo da cassação, seus aliados votarão em peso a favor da manutenção do imposto do cheque. O senador garante ter cinco fiéis seguidores, decisivos para as pretensões governistas. O presidente Lula já entregou o caso Renan ao Congresso. Renan, por sua vez, continua tentando envolver o Executivo na solução de seus problemas éticos. Na segunda-feira passada, houve uma reunião no Palácio do Planalto para discutir a tramitação da emenda da CPMF. O líder do governo, Romero Jucá, informou o presidente das ameaças de boicote ao imposto do cheque por parte da tropa de Renan Calheiros. "Renan tem o trunfo de atrelar sua votação à prorrogação da CPMF, aumentando, assim, sua chance de ser absolvido. Mas o governo não fará nada para salvá-lo", disse o senador Renato Casagrande, da base governista, relator do processo anterior, em que o governo fez de tudo para salvar Renan, com a contribuição decisiva dos parlamentares petistas. Eles foram convocados novamente agora.

Lula Castello Branco/AE
A PF prendeu envolvidos em fraudes em prefeituras alagoanas: amigos e correligionários do senador

A biografia de Renan Calheiros, apesar dos esforços do senador para se salvar, continua produzindo surpresas no atacado. Na semana passada, uma operação da Polícia Federal prendeu vinte pessoas acusadas de fraudar licitações em obras públicas em Alagoas. A quadrilha é acusada de desviar 20 milhões de reais em recursos públicos. Doze municípios são investigados, nove deles governados por aliados de Renan. O mais notório é Murici, terra natal do clã, administrada pelo filho do senador, Renan Calheiros Filho, o Renanzinho, aquele que virou dono da rádio que nunca foi do pai. A sede da prefeitura de Murici foi invadida por agentes da PF, que saíram de lá levando documentos e computadores. Dois empresários presos na operação são ligados a Renan e Renanzinho. Ronaldo Lacerda recebeu 5,4 milhões de reais da prefeitura de Murici para executar obras no município. O outro é Paulo Pontes, ex-diretor da Agência de Desenvolvimento do Nordeste (Adene), indicado para o cargo por Renan. Em Brasília, a polícia ainda prendeu o assessor parlamentar Carlos Rudiney Mattoso por contrabando. Mattoso era funcionário da presidência do Senado, fotógrafo e locutor dos eventos públicos de Renan Calheiros. Usava o gabinete do deputado Olavo Calheiros, irmão de Renan, como uma espécie de entreposto comercial. O plenário vai decidir se políticos assim continuarão destruindo o que sobrou da tradição republicana brasileira.

Os petistas de Renan

Há dois meses, seis senadores do PT se abstiveram e, com isso, garantiram a absolvição de Renan Calheiros no primeiro processo de cassação. Faltaram exatamente seis votos para condená-lo. A decisão desgastou os petistas perante a opinião pública. Alguns deles, como Aloizio Mercadante, passaram a defender a cassação, ao menos publicamente. O voto é secreto e, portanto, cada um pode anunciar o que quiser sobre sua escolha. O fato: Renan novamente depende dos petistas para salvar o mandato.

Dida Sampaio/AE
IDELI SALVATTI
A líder do PT sempre esteve ao lado de Renan e deve continuar assim
José Cruz/ABR
JOÃO PEDRO
Votou pela cassação no conselho, mas é suscetível a pressões
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MERCADANTE
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Fotos Celso Junior/Agência Estado/AE e Dida Sampaio/AE
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