Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 16, 2007

Líderes sindicais: os grandes ganhadores da era Lula

Líderes sindicais: os grandes ganhadores da era Lula

A mamata dos sindicalistas

A resistência ao fim do imposto cobrado
de todos os trabalhadores mostra o real
interesse dos sindicatos: manter seus privilégios


Marcelo Carneiro e Wanderley Preite

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O governo do PT criou uma nova casta – a dos integrantes da República Sindical. Nunca os sindicatos, federações e confederações de trabalhadores tiveram tanta influência em Brasília. Dezenas de ex-dirigentes sindicais ocupam, hoje, postos-chave da administração pública. Eles comandam orçamentos bilionários e recebem salários até quinze vezes mais altos que os que tinham quando vestiam o macacão de operário. O perfil de dez deles ilustra esta reportagem (veja o quadro). A principal conseqüência do surgimento dessa classe de marajás é o aumento do repasse de dinheiro público para os sindicatos. De acordo com a lei vigente desde 1937, anualmente é descontado de cada trabalhador, sindicalizado ou não, o equivalente a um dia de seu salário. Só neste ano, o imposto sindical obrigatório renderá às entidades 1 bilhão de reais. É uma dinheirama arrecadada sem esforço. Mas essa mamata, que já era boa, pode ficar ainda melhor, graças a um projeto que o governo Lula fez tramitar em regime de urgência na Câmara e agora depende de aprovação no Senado. Pela proposta, a União, que atualmente fica com 20% do que é arrecadado com o imposto – cerca de 200 milhões de reais –, repassaria metade desse valor para as centrais sindicais. Com isso, a receita anual dessas organizações, que hoje não participam da divisão da bolada, aumentaria dez vezes (veja o quadro).

Esse não foi o único mecanismo encontrado pela administração Lula para reforçar o caixa de centrais como a CUT e a Força Sindical. Um levantamento feito por VEJA, com base nos dados do Siafi, o sistema de acompanhamento dos gastos da administração federal, mostra que ONGs e institutos ligados às centrais – e, em especial, à CUT, braço sindical do PT – passaram a receber recursos vultosos. Essa manobra esconde um artifício. A partir de 2005, por determinação do Tribunal de Contas da União (TCU), o governo foi obrigado a suspender todos os repasses que fazia diretamente a essas entidades. Isso porque, desde a administração Fernando Henrique, eram enormes as suspeitas de que os recursos vinham sendo geridos de maneira irresponsável. Em outubro daquele ano, um relatório do TCU dizia que, "dos 137 milhões destinados aos convênios de 2001, as centrais sindicais deixaram de comprovar a aplicação de R$ 30,6 milhões". Em 2003, no início da gestão Lula, o TCU já alertava para a pouca transparência das prestações de contas das centrais. Mesmo assim, só neste ano o governo federal acatou a determinação do tribunal e suspendeu definitivamente as transferências. A verba da CUT, organização que chegou a receber 66 milhões de reais por ano, despencou para zero. Mas a central não ficou à míngua. Os recursos – em geral, teoricamente destinados à implantação de cursos de qualificação profissional coordenados pelas centrais – começaram a ser repassados para ONGs e instituições que mantêm evidentes ligações com a CUT (veja o quadro). Desde 2003, o governo já repassou a essas ONGs 100 milhões de reais.

Os tentáculos das ONGs ligadas às centrais estendem-se para além dos cofres federais. Chegam também aos dos municípios administrados pelo PT. Em agosto do ano passado, a Escola Sindical São Paulo-CUT, que integra a lista de entidades beneficiadas pelo governo Lula, firmou um convênio de 332.000 reais com a prefeitura de Jacareí – cidade a 91 quilômetros de São Paulo, administrada pelo petista Marco Aurélio de Souza. Tudo sem licitação. O contrato, que prevê a realização de cursos profissionalizantes, está sob análise do Tribunal de Contas do Estado. Isso não impediu, contudo, que a prefeitura renovasse o convênio e elevasse o repasse para 646.000 reais. Resultado: os contratos viraram alvo de uma ação popular e de uma ação civil pública, levada à frente pelo Ministério Público de São Paulo.

Arquivo/AE
Trabalhadores reunidos no ABC, em 1980: o fim do imposto era bandeira

Os poucos mecanismos de fiscalização existentes, como o tribunal de contas e a promotoria, ainda exercem algum controle sobre o dinheiro repassado às ONGs. A bolada do imposto sindical, porém, representa a maior fonte de recursos das entidades. Ela é transferida sem a contrapartida da prestação de contas. As centrais, agora prestes a lambuzar-se com esse bolo, têm brigado no Congresso para manter a regra intocada. O projeto do governo tramitou na Câmara, onde sofreu duas emendas. A primeira abole a obrigatoriedade da cobrança do imposto sindical. Caberia ao trabalhador informar a seu empregador se autoriza o desconto. "Com isso, os sindicatos teriam de suar a camisa para convencer a sua base da utilidade do imposto", diz o deputado Augusto Carvalho (PPS-DF), autor da emenda. Carvalho fala com a autoridade de quem dirigiu o Sindicato dos Bancários de Brasília, de 1980 a 1986. A segunda alteração, proposta pelo deputado Antonio Carlos Pannunzio (PSDB-SP), estabelece a fiscalização desses recursos pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A República Sindical entrou em pé de guerra contra as duas emendas e montou uma tropa de choque no Senado, onde a proposta ainda será apreciada. Os senadores estão sendo pressionados a aprovar a proposta do governo até o fim do ano, sem as duas emendas. "Não faz o menor sentido manter a cobrança compulsória e, ao mesmo tempo, dispensar os sindicatos da prestação de contas", diz Nelson Mannrich, professor da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo e especialista em legislação trabalhista. As centrais têm como plano B aceitar a extinção gradual do imposto no prazo de cinco anos. Essa é sua concessão máxima.

A atual legislação sindical brasileira, que tem origem no Estado Novo getulista, está a anos-luz dos mecanismos hoje existentes em países avançados. Em primeiro lugar, a liberdade sindical no Brasil não é plena. Apesar de apenas 18,6% dos trabalhadores brasileiros serem filiados a entidades, a lei insiste em obrigar todos a pagar o imposto sindical. Na maioria dos países desenvolvidos, a contribuição compulsória foi extinta na década de 40. Além disso, a Constituição brasileira, promulgada em 1988, também manteve a unicidade sindical, uma barreira legal à criação de mais de um sindicato por categoria e por município. Dessa maneira, o empregado não tem opção. A medida contraria uma convenção de 1948 da Organização Internacional do Trabalho. Seu texto concede ao trabalhador total liberdade para escolher a organização sindical mais adequada a seus interesses. Nos Estados Unidos, há concorrência direta entre os sindicatos. As entidades com melhor estrutura são as mais requisitadas em disputas trabalhistas e, assim, acabam recebendo mais dinheiro. Os sindicatos com receita superior a 200.000 dólares são obrigados a publicar na internet prestações de contas detalhadas. O sindicalismo americano aprendeu com seus erros. Na década de 50, sua figura emblemática era o caminhoneiro Jimmy Hoffa. Ele fez do sindicato dos caminhoneiros, Teamsters Union, uma das mais temidas – e corruptas – entidades do país. Cheio de inimigos, Hoffa, envolvidíssimo com a Máfia, foi considerado morto em 1975. Seu corpo nunca foi encontrado.

No Brasil, as regalias concedidas na legislação criaram uma usina de sindicatos. Hoje, de acordo com o Ministério do Trabalho, há 11.000 deles. A maior parte dessas organizações não tem nenhuma representatividade. Na Alemanha, existem apenas 130 entidades, algumas com mais de 1 milhão de filiados. "Esse dinheiro do imposto tornou-se um maná para os sindicatos, que não precisam se esforçar para angariar outros recursos nem para se tornar mais representativos", diz o sociólogo José Pastore, um dos maiores especialistas brasileiros em questões trabalhistas. O mais curioso é que, no fim da década de 70, a geração de sindicalistas liderada pelo então operário Luiz Inácio da Silva fez do fim do imposto uma de suas principais bandeiras. A idéia era fundar um novo sindicalismo, em contraponto ao dos pelegos, sempre alinhados ao governo em troca do farto dinheiro destinado às entidades. Dessa geração nasceu o PT – que, uma vez instalado no poder, tratou de reproduzir os mesmos vícios. As medidas propostas pelo governo Lula, em vez de modernizar o encarquilhado sindicalismo brasileiro, aumentarão os privilégios da República Sindical – pagos pelo contribuinte e à custa do suor dos trabalhadores.

Com reportagem de Karin Hueck



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Fotos Lindomar Cruz-ABR/Lalo de Almeida/José Meirelles Passos-Ag. Globo, Reuters, Nelson Perez/Ag. Globo, divulgação, Leo Pinheiro/Ag. Globo e J. F. Diorio/AE
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