Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 18, 2007

Por que a maioria rejeita a privatização?

Ethevaldo Siqueira

TECNOLOGIAS DA INFORMAÇÃO ECONOMIA DIGITAL

Conforme mostrou a pesquisa Estado/Ipsos, publicada no domingo passado, 51% dos eleitores condenam a privatização da telefonia. Apenas 37% a aprovam. Em busca de explicação para essa realidade, fiz uma única pergunta, via internet, a 500 especialistas e profissionais do setor: "Por que a maioria da população não reconhece os benefícios da privatização das telecomunicações?" Daquele total, 204 leitores qualificados deram sua explicação. Eis a síntese de suas respostas:

SERVIÇOS CAROS E RUINS - Para a maioria dos cidadãos, os serviços são caros e a qualidade do atendimento das operadoras é ruim. Em especial nos call centers.

SEM MEMÓRIA - Essa maioria não compara os serviços atuais ou a disponibilidade de telefones com a situação anterior, dos tempos do monopólio estatal da Telebrás. Nos últimos nove anos, mais de 100 milhões de brasileiros foram incluídos pela privatização da telefonia. Mas esses milhões de novos usuários não conheceram ou não se lembram dos tempos da Telebrás, dos elevados preços das chamadas de longa distância, dos planos de expansão de mais R$ 1.100, do atraso de até quatro anos na entrega de linhas fixas, de celulares a R$ 3.000, da escassez crônica e do câmbio negro de telefones. Ignoram que em 1997 o Brasil tinha apenas 21 milhões de acessos telefônicos - e hoje tem 150 milhões. Se esquecem que telefone era privilégio de 15 em cada 100 brasileiros, enquanto hoje é de quase 80.

DESINFORMADOS - Como sabemos, a maioria dos eleitores pertence às classes de menor renda, ou seja, aqueles que têm menos acesso à informação, acreditam mais na ação paternalista do Estado que na iniciativa privada e rejeitam a simples idéia de lucro nos serviços públicos. Não necessariamente por distorção ideológica, mas por mero preconceito ou ignorância.

ACESSO NÃO BASTA - Nos anos 1990, a maioria esmagadora dos brasileiros não tinha acesso à telefonia. Agora tem. Esse foi o grande mérito da privatização no setor. Mas ter acesso é pouco para o cidadão de baixa renda. A premissa de que "pobre se contenta com acesso" é totalmente falsa. E mais: na área de serviços, a reputação de uma operadora depende em grande parte de aspectos intangíveis, como respeito, atenção, consideração, polidez e rapidez na solução de problemas. Conquistar a lealdade do cliente é um longo processo. Para perder, basta um passo em falso.

OPORTUNISTAS - Politicamente, a percepção negativa da população sobre a privatização cria um círculo vicioso. De um lado, funciona como convite permanente aos políticos demagogos e oportunistas e, de outro, como desestímulo àqueles que deveriam defender o novo modelo (caso dos oposicionistas de hoje).

LULA NOCAUTEOU - A campanha presidencial de 2006 comprovou ambas as situações. O candidato Lula atacou as privatizações. Alckmin, amedrontado, recuou e chegou a jurar que não privatizaria outras estatais.

OS MESMOS 62% - Segundo a pesquisa, 62% dos eleitores brasileiros são contrários a todas as privatizações. Parece coincidência, mas é o mesmo porcentual da população que aprova o governo Lula.

O GRANDE RUÍDO - Depois da Lei de Defesa do Consumidor, os usuários parecem tornar-se mais exigentes. E, num universo de 150 milhões de usuários, a parcela de 1% representa 1,5 milhão de assinantes insatisfeitos. Essas queixas podem fazer um ruído infernal na mídia, no Procon ou na Justiça, causando um desgaste monumental à imagem das operadoras. O que muitas delas não aprenderam ainda é que não basta atender bem 99% dos clientes, se não cuidarem, com muita atenção, rapidez e respeito da reconquista da parcela de 1% de usuários insatisfeitos ou mesmo furiosos.

CASOS DRAMÁTICOS - Até executivos de operadoras de telefonia têm incontáveis histórias de experiências pessoais ou de familiares, verdadeiramente tenebrosas, ocorridas nas próprias empresas em que trabalham.

IMEDIATISMO - Esse descaso com a imagem decorre, em grande parte, de uma pressão excessiva dos acionistas por maiores lucros em curto prazo, especialmente numa época de mudança tecnológica acelerada, de novos paradigmas, de competição crescente e de complexos problemas regulatórios.

RISCOS - Essa estratégia tem ao menos dois sérios riscos. O primeiro é surgir no mercado um competidor que coloque a qualidade em primeiro lugar e comece a conquistar clientes. O segundo é a enorme erosão no grau de satisfação dos consumidores e o acúmulo de pressões pelo retorno ao controle estatal.

COMO MUDAR? - Não é fácil convencer a maioria da população dos aspectos positivos da privatização. Não se trata apenas de uma questão política ou de comunicação, mas de percepção real pelo cidadão do mau atendimento. Assim, de nada valeriam campanhas e discursos, pois o consumidor não é tolo e sabe que não está em primeiro lugar.

Na próxima coluna, analisaremos outra pesquisa, sobre o futuro da Anatel, feita com os mesmos 500 especialistas.

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