Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 18, 2007

A economia americana está nervosa

Peter Coy *


Não, não é só você. A economia americana esta realmente muito confusa. O governo diz que o Produto Interno Bruto cresceu a uma taxa anual de quase 4% no terceiro trimestre, a mais forte em um ano e meio.

O mercado acionário continua com um ganho de 4% neste ano, apesar de uma forte queda de 3% em 7 de novembro. Por outro lado, o crescimento do crédito ao consumidor desacelerou de maneira inesperada em setembro.

Alguns economistas dizem que os Estados Unidos estão cambaleando à beira de uma recessão, se já não entraram em uma.

O petróleo explodiu para quase U$ 100 o barril, o ouro está perto de um pico de todos os tempos, e o custo dos alimentos está subindo.

Parece que a alta de preços está eclodindo por toda parte, certo? No entanto, a taxa básica de inflação registra menos de 2% ao ano, segundo uma medida amplamente aceita. A confusão impera até no Federal Reserve (o Fed, banco central americano), cujos encarregados de definir os juros estão se desentendendo abertamente sobre a necessidade de novos cortes.

Com um certo distanciamento, porém, a situação fica mais clara. O que se está observando, apesar de toda esquisitice, é o velho paradoxo do que acontece quando uma força irresistível encontra um objeto inamovível. A força de resistência nesse caso é a economia americana, que conseguiu se expandir trafegando por todo tipo de adversidade durante mais de 15 anos, salvo na breve recessão de 2001. O objeto inamovível é um muro de dívida que se acumulou durante vários anos de empréstimos generosos e agora não consegue ser saldada.

O risco evoluiu para um aperto generalizado do crédito que coloca tanto tomadores como emprestadores em terríveis dificuldades.

Então, ou a economia americana vai superar a crise da dívida e continuar crescendo, ou não. É simples assim e importante assim, com milhões de donos de casa endividados batalhando para continuar à tona, o mercado acionário ziguezagueando, e tudo isso a um ano apenas da próxima eleição presidencial.

O QUADRO GERAL

Não se pode saber com certeza como tudo isso evoluirá, é claro. Mas concentrando-se mais no quadro geral que nas minúcias, pode-se ao menos saber quais perguntas-chave fazer e quais indicadores cruciais merecem atenção. Esses variam de medidas amplamente acompanhadas como a taxa de vendas de casas e a pesquisa mensal do emprego por domicílio, a obscuras como o prêmio de risco sobre empréstimos interbancários.

O que torna a economia ainda mais imprevisível que o normal é que a principal ameaça ao crescimento, o aperto do crédito, emana das profundezas do sistema financeiro. Isso não é algo que os economistas entendam bem, em especial pela complexidade dos mercados financeiros globalmente interligados e altamente potencializados de hoje.

A analogia mais próxima é o aperto de crédito do início dos anos 90, quando empréstimos podres para imóveis comerciais penalizaram o sistema bancário. Os empréstimos empresariais virtualmente pararam e o Citicorp quase dançou. Na época, os economistas discordaram sobre o grau em que os problemas bancários tinham afetado os EUA. Na verdade, essas preocupações jogaram um papel na eleição presidencial de 1992, quando a campanha de Bill Clinton celebrizou o slogan: "É a economia, estúpido". Mas depois que estatísticos do governo terminaram de rever seus dados, anos depois, a taxa de crescimento na época da eleição de 1992 acabou se revelando bem acima de 4%.

Então, o que será desta vez - crescimento forte ou queda no abismo? O primeiro lugar a se olhar é o mercado imobiliário, no qual os excessos na concessão de crédito foram extremos. Não interessa se concentrar na queda dos preços das casas. Melhor observar se o ritmo das vendas reage em resposta à queda dos preços. É uma boa nova para a economia se mais casas forem vendidas. Vendas de casas novas significam mais trabalho para carpinteiros e encanadores. Mesmo vendas de casas existentes geram empregos para agentes imobiliários. É má notícia se os preços e as vendas caírem juntos porque isso pode significar que os compradores potenciais temem quedas ainda maiores dos preços. Na verdade, é exatamente isso que parece estar acontecendo. O ritmo das vendas de casas existentes em setembro recuou 19% em relação a um ano atrás, apesar de o preço médio ter caído 4%. Economistas do Goldman, Sachs & Co. disseram em 7 de novembro que a Califórnia, o epicentro do terremoto subprime, "parece estar descambando para uma recessão", e Flórida e Nevada provavelmente já estão em uma.

UM IMPULSO DO EXTERIOR

Por ruim que seja, a depressão completa no setor imobiliário não pode matar a economia enquanto o emprego estiver crescendo de maneira saudável. Essa é a segunda coisa a observar e, até agora, tudo bem. Os EUA acrescentaram respeitáveis 166 mil empregos registrados em outubro, segundo a estimativa preliminar do Departamento do Trabalho. O motor do crescimento é o setor de serviços, incluindo serviços de saúde e sociais. O dólar fraco está ajudando na criação de empregos relacionados às exportações. O setor de tecnologia está forte, também, impulsionado pelo crescimento econômico global. E, em 7 de novembro, o governo reportou um crescimento anualizado surpreendentemente forte de 4,9% na produção por hora dos trabalhadores - significando que os empregadores podem conceder aumentos salariais sem causar inflação.

É bom ficar atento, porém, às fraquezas ocultas. Embora os empregadores tenham reportado mais empregos, uma pesquisa por domicílios separada do governo revelou uma queda de 250 mil no número de pessoas que se declararam empregadas. Alguns economistas argumentam que a pesquisa por domicílios é mais precisa em pontos de virada econômicos como este. Apontando para essa pesquisa e para outros dados, o consultor econômico Jack W. Lavery afirma que os EUA entraram numa recessão que continuará "pelo menos durante a primeira metade de 2008."

Otimistas dizem que os problemas da dívida são simplesmente um iceberg pequeno demais para afundar um navio com uma economia de U$ 14 trilhões como americana. Lincoln F. Anderson, diretor de investimentos e economista-chefe da LPL Financial Services em Boston, argumenta que, mesmo que as taxas de inadimplência das hipotecas subprime estivessem nas alturas, os prejuízos alcançariam menos que 1% da dívida pendente.

Mas os pessimistas respondem que se os emprestadores foram negligentes com os empréstimos subprime, é razoável supor que eles tenham sido um tanto descuidados com outros tipos de empréstimos. "Tivemos um período de financiamento facilitado demais que se revelará em larga escala", diz Avinash Persaud, presidente da empresa de consultoria Intelligence Capital em Londres. Persaud acrescenta: "Não acho que já vimos o problema em toda sua escala ainda". Para ver se Persaud está certo, é bom ficar de olho em fortes aumentos das taxas de inadimplência em empréstimos hipotecários prime, compra financiada de carros, cartões de crédito e dívida corporativa.

O assustador num aperto de crédito é que todos - de bancos a corporações e residências - se restringem simultaneamente, e o excesso de cautela mata o crescimento. Isso ainda não aconteceu, mas há indícios de que podemos estar próximos de um ponto de virada.

O Fed reportou em 5 de novembro que os bancos disseram ter endurecido os padrões de empréstimos em outubro, e igualmente inquietante, caiu a demanda de empréstimos tanto por empresas como por consumidores.

A temporada comercial de férias trará informações cruciais sobre se a economia deixou os lojistas contentes ou abatidos. Vários grandes varejistas, que estão entre os primeiros a detectar mudanças no ânimo do consumidor, começaram seus descontos de férias no início de novembro, cerca de três semanas antes do normal. A Wal-Mart deu o pontapé inicial na sua temporada natalina em 2 de novembro com preços muito inferiores aos da concorrência (um brinquedo de U$ 240 na KB Toys estava sendo vendido a U$ 144 na Wal-Mart). Esse tipo de desconto cheira a desespero para alguns analistas.

UM NOVEMBRO NERVOSO

Por enquanto, a confusão do subprime é mais uma tragédia humana que um bloqueador da economia. Ela está sendo sentida sobretudo pela classe média baixa, que não é a força motriz do crescimento econômico. Os 40% de menor renda da população são responsáveis por apenas 21% dos gastos de consumo. Julia L. Coronado, uma economista americana da Barclays Capital, diz que, em termos de poder de consumo, e levando em conta avanços do mercado acionário, "os consumidores não perderam absolutamente nenhum patrimônio. Na verdade, os consumidores estão melhor do que estavam há um ano". O mercado acionário é o catavento mais conhecido da economia, mas é, provavelmente, o mais difícil de interpretar. Neste ano, até agora, os preços das ações revelaram uma tendência de alta, sinalizando que os investidores esperam a continuidade do crescimento do lucro das corporações. Ultimamente, porém, Wall Street tem andado nervosa. A queda dos preços das ações pode obscurecer o panorama econômico fazendo os investidores se sentirem mais pobres e menos dispostos a gastar.

Com grandes empresas como Citigroup e Merrill Lynch aparentemente incapazes de avaliar as profundezas de seus problemas, a possibilidade de a economia se chocar com um muro de tijolo é palpável.

A economia americana é uma força irresistível, mas o aperto do crédito está lentamente exaurindo seu vigor. O risco de uma recessão está claramente aumentando.

*Peter Coy escreveu este artigo para a Der Spiegel com Nanette Byrnes em Chapel Hill, N. C., Dawn Kopecki em Washington, e Mara Der Hovanesian em Nova York

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