Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 06, 2007

O petróleo é nosso...


Artigo - Ilan Goldfajn
O Globo
6/11/2007

O petróleo atingiu US$96,00 o barril na semana passada. Já foi cerca de US$60,00 o barril este ano, e US$20,00 há cinco anos. Esse tipo de aumento no passado já foi considerado um "choque do petróleo", como em 1973 e 1979. Naquela época, o alto preço do petróleo levou à inflação - aumento do custo de vida - e à recessão - perda de emprego. Hoje, o impacto sobre o crescimento deverá ser menor, já que o aumento, em boa parte, é resultado da prosperidade, do atual longo período de demanda mundial.

O impacto é menor sobre o crescimento hoje porque o gasto com produtos derivados do petróleo - por exemplo, gasolina - representa parcela menor da renda e afeta menos o consumo das pessoas em outros produtos, o que mantém a economia aquecida.

Normalmente, quando o preço de um produto sobe, há efeito sobre a oferta e demanda. A produção aumenta incentivada pelos preços mais atraentes, aumentando a oferta disponível do produto. A demanda, por sua vez, tende a recuar, já que os preços são mais caros. Nesse caso, tanto a demanda quanto a oferta podem demorar a reagir ao novo cenário (em economês, há "inelasticidade" ao preço).

Pelo lado da demanda, a reação de fato tem sido menor do que no passado, até o momento. Uma das razões é que, sendo a renda do consumidor menos afetada, ele consegue tolerar aumentos maiores de preço. Paradoxalmente, essa tolerância significa que a demanda pelos derivados de petróleo permanece em boa medida inalterada, o que inibe a reação natural ao aumento de preços.

Mesmo com uma parcela menor da renda das pessoas dedicada ao consumo de gasolina, a demanda total tem aumentado por um conjunto de razões: 1. a renda média no mundo tem sido crescente, o que aumenta o consumo; 2. um maior número de pessoas está entrando no mercado consumidor, em função do crescimento mundial, principalmente na Ásia (China e Índia, mas também em outros países); 3. em boa parte dos países exportadores de petróleo, há subsídio à gasolina, o que impede que o aumento de preços internacionais atinja essa parcela da população mundial.

A oferta, por seu lado, pode demorar um tempo considerável a reagir por outra serie de razões: 1. os baixos preços do petróleo no passado recente reduziram o investimento; 2. houve aumento dos preços dos equipamentos (produção, exploração e refino) e do transporte; 3. há dúvidas sobre o direito à propriedade e/ou o respeito aos contratos em países com reservas a explorar; e 4. há risco geopolítico, como um conflito no Irã.

No Brasil, apesar dessa situação internacional, não existe hoje uma defasagem significativa entre o preço doméstico e internacional da gasolina (estimada pela Ciano em 5,9%). A razão para isso é a apreciação cambial que tem compensado a alta do petróleo internacional e mantido constante o preço da gasolina em reais.

O recente imbróglio sobre o corte do fornecimento do gás da Petrobras para alguns clientes - e, talvez, a necessidade de aumentar o seu preço - reflete menos a conjuntura internacional e mais a dificuldade que o país tem tido nos últimos anos em atrair investidores para o setor de energia elétrica. O Brasil precisa de complementação da energia proveniente das termoelétricas que, por sua vez, consomem gás.

Em suma, estamos vivenciando as conseqüências de um longo período de prosperidade que tem gerado um aumento significativo dos preços do petróleo. O impacto desse aumento sobre a atividade econômica mundial pode ser menor nesse caso do que no passado, devido à demanda aquecida e ao fato de uma menor parcela da renda dos consumidores estar comprometida com gasolina e outros derivados. No Brasil, a apreciação do câmbio (típica hoje dos exportadores de commodities) tem compensado o aumento desses preços internacionais, e não há hoje defasagem (significativa) dos preços da gasolina com o exterior, o que em muito limita o impacto inflacionário. É como se de fato o petróleo fosse nosso, apesar de ser deles, e só não é dos chineses e de outros importadores.

ILAN GOLDFAJN é economista. E-mail: goldfajn@econ.puc-rio.br.

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