Entrevista:O Estado inteligente

sexta-feira, novembro 16, 2007

O castelo de cartas americano

JOSEPH STIGLITZ

Há ocasiões em que a prova de que se está certo não causa prazer. Durante anos, adverti que a economia americana se apoiava numa bolha imobiliária que substituíra a do mercado de ações dos anos 90. Nenhuma bolha pode se expandir indefinidamente.
Com a renda da classe média estagnada, os americanos não podiam arcar com imóveis cada vez mais caros.

Como um dos meus antecessores na chefia do Conselho de Assessoria Econômica do Presidente disse uma vez, “o que não é sustentável não se sustentará”.
Economistas, diferentemente dos que ganham a vida apostando em ações, não se atribuem a capacidade de predizer quando chegará o dia da explosão, muito menos de identificar o que causará a queda do castelo de cartas.
Mas os padrões são sistemáticos, com conseqüências que se desdobram gradual e dolorosamente.
Há aqui uma macroestória e uma microestória.

A primeira é simples, mas dramática. Alguns, ao observar o colapso do mercado das hipotecas subprime, dizem: “Não se preocupem, é apenas um problema no setor imobiliário.” Mas isso não leva em conta o papelchave que a construção civil tem exer cido na economia americana. Investimento direto em imóveis e dinheiro liberado com o refinanciamento de hipotecas responderam por dois terços a três quartos do crescimento econômico nos últimos seis anos.
O preço em alta dos imóveis deu aos americanos a confiança e o suporte financeiro para gastarem além de sua renda. Por isso, a taxa de poupança dos donos de imóveis está num patamar não visto desde a Grande Depressão — zero ou negativo.
Com taxas de juros mais elevadas reduzindo o preço dos imóveis, o jogo acabou. Um movimento dos americanos em direção a uma taxa de poupança de 4% (pequena, pelos padrões normais) enfraquecerá a demanda agregada e, com ela, a economia.

A microestória é mais dramática.
Os recordes de baixa das taxas de juros em 2001, 2002 e 2003 não levaram os americanos a investir mais — já havia excesso de capacidade. Em vez disso, o dinheiro fácil estimulou a economia, ao induzir os proprietários a refinanciar seus imóveis e a gastar parte de seu capital.
Uma coisa é tomar dinheiro para investimento; outra é fazê-lo para financiar férias ou consumo. Mas foi isso que Alan Greenspan estimulou os americanos a fazer. Quando financiamentos normais não pareciam suficientes, ele chegava a encorajá-los a tomar financiamentos com taxas variáveis, numa hora em que os juros não poderiam senão subir.
Emprestadores-predadores foram além, oferecendo financiamento com amortização negativa, em que a dívida total sobe ano após ano. De novo, os tomadores foram aconselhados a não se preocupar: os preços dos imóveis subiriam mais, possibilitando o pagamento via novo refinanciamento com amortização negativa. Tudo isso fazia prever um desastre humano e econômico. Agora, a conta chegou: há casos de tomadores cujas prestações excedem a renda total.

A globalização faz com que o problema das hipotecas nos EUA tenha repercussões mundiais. A primeira corrida bancária envolveu uma instituição britânica, o Northern Rock. Instituições americanas conseguiram repassar títulos hipotecários na casa das centenas de bilhões de dólares a investidores (bancos, inclusive) em todo o mundo.

Eles enterraram esses financiamentos podres por meio de instrumentos complicados, enterraram-nos tão fundo que ninguém podia calcular qual era de fato a situação. Diante da incerteza, os mercados congelaram.
Aqueles na área financeira que acreditam no livre mercado abandonaram temporariamente sua fé. Para exero bem geral (óbvio que nunca é em nome de seu interesse mesquinho), argumentaram que era necessário socorro externo. Ao contrário da advertência que o Tesouro americano e o FMI deram a países asiáticos em crise há dez anos, sobre o risco de operações de bail out, os EUA compraram bilhões de dólares em hipotecas podres e baixaram as taxas de juros.

Mas juros mais baixos a curto prazo levaram a taxas mais elevadas a médio prazo, que são mais importantes para o mercado imobiliário, talvez devido à crescente preocupação com pressões inflacionárias. Talvez faça sentido para bancos centrais comprar hipotecas lastreadas em títulos com a finalidade de elevar a liquidez do mercado. Mas os vendedores deveriam dar garantia para que o público não tenha de pagar o preço de suas decisões erradas.

A securitização, com todas as suas vantagens em compartilhamento de risco, tem três problemas que não foram adequadamente antecipados. Embora tenha poupado os bancos americanos de conseqüências ainda mais graves, fez com que essas conseqüências fossem sentidas de forma global.
Acima de tudo, a securitização contribuiu para práticas danosas: antigamente, bancos que faziam maus empréstimos arcavam com as conseqüências; na nova era da securitização, eles podem repassá-los adiante.
(Como diriam os economistas, aumentaram os problemas de informação assimétrica).

Nos velhos tempos, quando os tomadores consideravam impossível pagar suas prestações, o financiamento era reestruturado. A securitização tornou difícil, senão impossível, a reestruturação da dívida.

São as vítimas dos emprestadorespredadores que precisam do socorro do governo. Com a parte hipotecada alcançando 95% ou mais do valor do imóvel, a reestruturação da dívida não será fácil. O que se requer é dar aos excessivamente endividados um caminho rápido para recomeçar — por exemplo, uma provisão que lhes permita recuperar, digamos, 75% do que investiram originalmente no imóvel, com os emprestadores pagando o custo disso.

Há muitas lições para os EUA e o resto do mundo. Entre elas está a necessidade de maior regulação do setor financeiro, especialmente maior proteção contra emprestadores-predadores e maior transparência.

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