Entrevista:O Estado inteligente

quarta-feira, novembro 14, 2007

Míriam Leitão - Os sustos do álcool



PANORAMA ECONÔMICO
O Globo
14/11/2007

O álcool entrou na fase em que os preços aumentam. Aliás, nem chegou na entressafra e o preço já pulou 34% para o produtor. O presidente da Unica, Marcos Jank, disse que, na média dos últimos anos, os preços caíram em termos reais 18%. Os Estados Unidos estão abarrotados de etanol e fazendo vítimas entre produtores. Aqui a demanda subiu muito nos últimos anos.

Numa conversa com um grupo de produtores de álcool na semana passada, em Ribeirão Preto, ouvi que os preços este ano vão subir muito. De fato, a entressafra normalmente começa em dezembro, mas os preços ao produtor já subiram de R$0,58 o litro para R$0,78 e devem chegar a R$1 nos próximos meses, na opinião do empresário Maurílio Biagi Filho.

O economista José Roberto Mendonça de Barros lembra que o quadro mudou muito nos últimos meses.

- Antes o produto era fashion. Foi na época em que os meninos do Google vieram aqui. Agora, está voltando à normalidade. Nos Estados Unidos muita gente vai quebrar, apesar do subsídio forte, porque lá os preços do etanol despencaram - diz Mendonça de Barros.

O produto entrou, assim, nessa contradição: os preços caem lá fora porque o mercado está superofertado e estão subindo aqui no Brasil porque está chegando a entressafra, que costuma ir de dezembro a abril.

- Os preços do álcool têm uma grande volatilidade entre safra e entressafra, mas, na média, desde que foi liberado, há sete anos, o preço médio real caiu 18% - sustenta Marcos Jank, que preside a União da Indústria da Cana-de-Açúcar (Unica).

Ele atribui a volatilidade ao sistema de comercialização primitivo que ainda existe no setor.

- O álcool é produzido seis a sete meses por ano e consumido nos 12 meses, e não há sistemas de comercialização nem de estocagem desenvolvidos. Todo ano, quando começa a subir o preço há uma surpresa, e nós queríamos evitar a surpresa.

Com o aumento do consumo nos últimos anos, graças aos carros flex, os produtores estão esperando uma alta forte dos preços nos próximos meses. Mas, como ocorre com os preços da gasolina, há um teto para a alta do álcool. A questão é se os preços dos derivados de petróleo podem continuar não tendo aumento.

- Este é o único lugar do planeta onde é indiferente os preços do petróleo estarem a US$40 o barril ou US$100, porque os preços da gasolina não sobem. Mas os nossos preços que seguem as leis de mercado é que são criticados - diz Maurílio Biagi.

Os produtores de álcool no Brasil estão agora inconformados com a euforia em relação às novas descobertas de petróleo e têm medo de que isso coloque de lado a prioridade do biocombustível. Eles têm um discurso de que o produto que fazem é fundamental neste momento de mudança climática e mitigação dos gases de efeito estufa emitidos pelos combustíveis fósseis, mas, ao mesmo tempo, reagem mal às críticas sobre os métodos de produção, que são lesivos ao meio ambiente, e à forma primitiva com que são tratados os trabalhadores em suas lavouras. Um deles me disse que tudo é culpa da imprensa, que tem preconceito em relação aos usineiros. Não será o primeiro nem o último a dizer que tudo é culpa da imprensa neste país.

Se tivessem visão estratégica, deveriam atuar mais ativamente na melhoria do tratamento dado aos trabalhadores e no desenvolvimento de uma forma de produção amigável ao meio ambiente. Esse tipo de preocupação começa a chegar à direção da Unica.

- Estamos empenhados aqui em desenvolver os mecanismos de sustentabilidade agroambiental - diz Marcos Jank.

O consumo vai se ampliar, mas, ao mesmo tempo, o mercado tende a ficar cada vez mais competitivo no exterior. Os subsídios concedidos aos produtores americanos, a entrada da produção de vários países, as novas fontes de etanol que estão sendo desenvolvidas aumentarão a oferta para atender à demanda crescente. A superoferta deste ano do improdutivo e subsidiado etanol de milho nos Estados Unidos é prova disso. O Brasil hoje é o segundo maior produtor, mas ocupa 65% do mercado de exportação. O país tem muitos consumidores na Europa. Para mantê-los, terá de provar que produz sem superexploração dos trabalhadores e sem afetar o meio ambiente. Do contrário, enfrentará barreiras comerciais. Aqui no Brasil o produtor precisa parar de dar susto no consumidor, a cada nova entressafra, montando um sistema de comercialização que dê estabilidade ao preço.

Arquivo do blog