Vivi em Toronto a mais radical experiência de multiculturalismo quando aceitei o convite para jantar com um grupo de fotógrafos, ao final de uma projeção de fotos, numa galeria da cidade. Exceto uma jovem americana, Lauren, todos os outros moravam na cidade, a maioria vinha de partes diferentes do planeta, estava perfeitamente adaptada a Toronto e todos se misturavam.
O fotógrafo e escritor Bob Black é americano da Califórnia e casado com Marina, russa, há oito anos moradora de Toronto. Carlos nasceu no México, viveu no Brasil, nos Estados Unidos e na França, e se mudou para Toronto porque vai se casar com a iraniana Tália. Arantxa tem nome basco, mas nasceu em Madri e namora um australiano. Havia ainda um italiano casado com uma moça de Sarajevo. Uma romena grávida de um húngaro.
Ali é um turco curdo; além de fotógrafo, é militante da causa dos curdos expulsos de sua terra na Turquia e no Iraque. No grupo, havia um canadense que parecia chinês: Phil Changeo nasceu em Vancouver, filho de um casal que emigrou de Hong Kong. Só havia no grupo um anglo-canadense, casado com uma japonesa.
Sérgio e eu éramos o único casal mononacional da mesa. Parecíamos muito convencionais.
— Eu não acredito em fronteiras, em países. Acredito na maravilhosa diversidade desta mesa — festejou Bob, ele mesmo um inquieto morador de vários países antes de se estabelecer no Canadá.
Bob coordena uma exposição semanal de fotografia numa galeria de arte e é professor de inglês, mas sua especialidade é a extraordinária capacidade de ser um conectador de pessoas. Por prazer e convicção, gosta de ligar gente que tenha alguma coisa em comum ou incluir pessoas em comunidades de afinidades. Ele parece querer reverter sozinho todo o isolacionismo da política externa de seu país natal, os Estados Unidos.
Andar nas ruas de Toronto é ver a estonteante diversidade de faces, línguas e costumes; uma cidade onde a migração está acontecendo agora, que está se misturando, que está a caminho de ser alguma outra coisa. A estimulante sensação de estar vendo a formação de uma comunidade global pode ser percebida por qualquer visitante.
— Por que Toronto? — perguntei para a iraniana.
— Cheguei há quatro anos e estudo arquitetura em Waterloo.
Eu me sinto em casa aqui. Não sei se ficarei para sempre. Depois que se sai de sua terra pode-se ir para qualquer lugar. Sei para onde não vou: para os Estados Unidos.
Não quero ser discriminada.
Mais do que vindos de terras diferentes, o grupo de jovens fotógrafos tem projetos globais. Lauren, freelancer do “New York Times”, já fez trabalhos no Quênia e em El Salvador.
Arantxa acaba de voltar da Austrália, para onde quer voltar para fotografar uma ilha próxima que está submergindo pela elevação do nível do mar. Phil Changeo está fechando as malas para morar uns tempos em Dubai, onde vai trabalhar num jornal em língua inglesa que está sendo lançado nos Emirados Árabes. A iraniana Tália foi à África do Sul estudar o efeito do urbanismo em reduzir ou ampliar as distâncias raciais.
Ali, o turco curdo, duas partes hoje em conflito, acha que Toronto é o lugar mais fácil do mundo de um estrangeiro se instalar e achar um emprego. Bob não tem a mesma certeza. Não por ele, que, por ser americano, é naturalmente aceito, mas por conhecer vários casos de estrangeiros que procuram anos por uma boa colocação.
Por outro lado, um símbolo da aceitação pode ser visto na história de quem ocupa o cargo de governadorgeral do Canadá, representante da monarquia inglesa no país: é mulher, negra e imigrou do Haiti.
Toronto parece a terra da oportunidade para migrantes de várias partes do mundo, mas tem lá seus medos.
As estatísticas dizem que 50% dos moradores da cidade vieram de outras cidades ou países. O jornal “The Globe and Mail” publicou uma notícia recente dizendo que “autoridades governamentais têm privadamente alertado o Partido Conservador que o debate em Quebec sobre acomodação das minorias está se espalhando pelo Canadá e pode detonar alarmantes divisões no país”. O texto era baseado em “documentos internos”, sustentando que existe um senso de urgência e o risco da separação entre “eles” e “nós”. Segundo o jornal, “o fenômeno é particularmente preocupante em Quebec”, que tem uma nova lei da identidade québécoise exigindo de forma mais dura o francês nos negócios e na educação.
O Canadá é prisioneiro de uma obsessiva sensação de que não tem identidade. O país recebe os imigrantes, principalmente em Toronto, e se pergunta cada vez mais: quem somos nós? O governo tem um Ministério do Multiculturalismo e da Identidade Canadense. Eles chamam os indígenas de “Primeiras Nações”. No Brasil, chamar um grupo indígena de “nação” é visto, em algumas áreas, como risco à unidade nacional. O Canadá sempre recebeu ondas de migrantes. País jovem e com a população de origem inglesa estagnada, é inevitável que atraia pessoas de toda a parte do mundo. A crise de identidade aconteceria com ou sem a migração. Roy MacGregor, que escreveu o livro “Canadians”, diz que o país é um vento que procura uma bandeira. O vento canadense, que este ano teimou em não esfriar em outubro, encontrará cores cada vez mais diversas. O país está em construção, misturando pessoas, nacionalidades, cruzando histórias e etnias.
Se fizer isso sem conflitos, será a esperança de um mundo novo.
Entrevista:O Estado inteligente
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