O governo comemora a vitória na Comissão de Constituição e Justiça do Senado e agora se prepara para a batalha no Senado. Há riscos, mas a maior probabilidade é a de se conseguir mais um tempo para a CPMF com as concessões já feitas. Mas o governo sequer se dá conta de que acaba de perder a melhor chance de fazer algo realmente histórico no Brasil.
Este poderia ter sido o melhor ano do governo Lula.
Primeiro ano do novo mandato em que o presidente fortalecido pelas urnas poderia propor um projeto ao país. Pelo fato de ser um ano sem eleições, as disputas normalmente seriam menores.
O ano está acabando e tudo o que o governo espera comemorar — dependendo do resultado da votação em plenário — é o prolongamento de dois remendos inventados no governo Fernando Henrique para momentos de emergência.
A CPMF nasceu como Imposto sobre Transações Financeiras para atravessar o período da estabilização. Depois o governo ficou viciado nela. A DRU foi outro remendo inventado para se contornar a dificuldade de se ter um Orçamento flexível. O governo Lula desperdiçou seu melhor ano tentando esticar os remendos tucanos.
O que o governo Lula deveria ter feito este ano era a verdadeira, profunda e necessária reforma tributária.
Tinha todas as chances para isso, se tivesse, desde o primeiro momento, focado nesse objetivo. Mas simplesmente deixou o ano escorrer sem qualquer projeto importante no Congresso. O Brasil continuará com sua montanha de impostos, taxas, contribuições com 27 diferentes legislações de CPMF, suas maluquices, desonerações arbitrárias e carga tributária crescente.
Os pagadores de impostos no Brasil se queixam hoje mais da complexidade do sistema tributário, das confusas interpretações da Receita Federal, das mudanças de regras e bases de cálculo, da infinidade de alíquotas diferentes do que propriamente da alta carga tributária. Um empresário belga que está no Brasil há dez anos me disse recentemente que não se importa com a carga tributária em si — está acostumado, como europeu, a cargas altas, ainda que lá o Estado preste serviço de qualidade em troca — mas o que realmente atrapalha seus negócios é a barafunda dos quase 50 impostos brasileiros. Entender os impostos, como pagar, como cumprir a lei, toma tempo e esforço demais das empresas.
Esse empresário diz que a cada novo impasse entre seus técnicos sobre como pagar o imposto ele tem que fazer uma consulta à Receita e, mesmo com as explicações, continuam confusos.
A burocracia tributária é hoje um desestímulo ao investimento e um estímulo à sonegação. O pagador de impostos que tenta ficar em dia com todos os seus pagamentos tem de se cercar de especialistas.
Até uma pequena empresa, até pessoa física precisa estar sempre consultando contadores, do contrário estará em apuros ou cairá em alguma falha sem ver.
Já há no Brasil o desenho básico de uma reforma tributária: ela teria de unificar tributos, diminuir o número de impostos, taxas, contribuições, uniformizar legislações e, se possível, reduzir a brutal carga sobre quem paga impostos no Brasil.
O governo poderia ter feito essa proposta este ano e, dentro dela, embutido até a prorrogação da CPMF. Teria tido o ano inteiro para negociar. As concessões não seriam feitas na última hora, no aperto da CCJ, entre substituições de senadores, liberações de emendas e nomeações de apadrinhados. As compensações para a manutenção da CPMF poderiam ser negociadas dentro de nova moldura tributária.
Pelo fato de ser um ano sem eleição, pelo fato de o governo estar fortalecido pelo mandato renovado nas urnas, havia muita chance para um projeto desenhado com sensatez e ousadia. Mas o ano se perdeu na mediocridade.
O caso Renan não poderia ter esgotado o país como esgotou, não poderia ter tomado o nosso precioso tempo que tomou. Teria de ter tido um corte rápido e cirúrgico. Uma pessoa sob suspeição de ter suas contas íntimas pagas por uma empreiteira simplesmente não pode presidir o Senado. Isso não é condenar sem a comprovação da culpa. Isso é preservar as instituições da República. Mas a ambigüidade do governo que ora fingia nada ter a ver com Renan, ora o protegia; a estranha força que a chantagem do senador demonstrou ter sobre o governo; as manobras no Conselho de Ética transformaram o país inteiro em refém. E assim se perdeu mais um pouco do ano.
Em vez de um processo de limpeza da caótica estrutura de impostos, o país ouviu declarações sem sentido do ministro da Fazenda. De que a CPMF é paga apenas pelos ricos, como se não estivesse no custo de produção, de que a CPMF é um imposto pequeno, como se não arrecadasse R$ 40 bilhões por ano. De que o governo está desonerando as empresas, como se a carga tributária não estivesse crescendo ano a ano. Ao final da negociação na CCJ o governo promete, como compensação, enviar um projeto de reforma tributária. Ora, convenhamos! No final do ano legislativo, ou é para inglês ver ou é por desencargo de consciência. O ministro Guido Mantega chegou a dizer que “até 2011 já teremos a reforma tributária!” É isso, o governo acha que o país pode perder mais uma chance.
O ano que vem será de eleições municipais, no ano seguinte o governo já estará se enfraquecendo e em 2010 será o fim do mandato. O ano da reforma tributária era 2007. Mais uma oportunidade perdida.
Entrevista:O Estado inteligente
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