Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 20, 2007

Merval Pereira - Palavras




O Globo
20/11/2007

A classificação de "liberal periférica" dada à política econômica do atual governo, que seria um mero aprofundamento da política do antecessor Fernando Henrique Cardoso - que está no livro dos economistas Luiz Filgueiras, professor da Universidade Federal da Bahia, e Reinaldo Gonçalves, da Universidade Federal do Rio de Janeiro, "A economia política do governo Lula", - comentada nas colunas do fim de semana, provocou reação de muitos leitores, tanto lulistas quanto tucanos. Ela traz novamente à tona a discussão sobre como as palavras são distorcidas na política brasileira, onde geralmente tudo o que se diz pode significar o contrário.

Nosso país tem produzido no setor político uma aberração: não existe um partido declaradamente de direita, e disputou-se a Presidência da República desde a redemocratização sem que nenhum dos candidatos se anunciasse representante "da direita". Desde o fim da ditadura militar, há no país uma certa vergonha de assumir claramente o que seria um ideário de direita sem que um partido de esquerda desse seu aval, e foi assim que o Partido da Frente Liberal, atual DEM, herdeiro da outrora famosa Arena, se escondeu sob as asas do PSDB para poder chegar ao poder.

É uma situação paradoxal, pois há muito tempo não se governa no Brasil sem a direita, mas a direita não se sente com legitimidade para defender abertamente seus ideais. Ao mesmo tempo, classificar os governos de Lula e Fernando Henrique de "liberais" é uma maneira de politizar o debate sem que as palavras sejam usadas nos seus devidos termos.

O governo Lula é atingido agora por seus críticos pela mesma estratégia política que o levou a tentar jogar o PSDB para a direita durante os oito anos do governo Fernando Henrique, e é classificado de "liberal". O liberalismo, no entanto, nada tem a ver com o que está em prática e o que foi praticado no governo do PSDB.

Os liberais pregam o mínimo de impostos, são contra impostos em empresas, querem o Estado mínimo, só atuando nas seguintes áreas, segundo explicação de Roberto Campos: Justiça, segurança, relações internacionais, defesa, controle monetário e, segundo alguns liberais, saúde e educação. O resto viria da iniciativa privada.

Diante dos ataques, os tucanos nunca conseguiram, nas duas campanhas em que perderam para Lula, defender as conquistas do seu governo, e já entrou no anedotário da política brasileira a dificuldade que o tucano Geraldo Alckmin teve para se defender da "acusação" de ser um defensor das privatizações. Somente agora, parece, o PSDB está conseguindo sair da defensiva nesta matéria.

O documento que vai servir de base para o congresso que vai eleger a nova direção partidária, esta semana, defende as privatizações do governo Fernando Henrique e diz que, se o governo Lula hoje está bem na economia, é porque o governo anterior preparou o terreno.

O próprio Fernando Henrique se empenha, desde que saiu do governo, em esclarecer que nunca foi "neoliberal", e, mesmo com relação às privatizações, ele ressalta que preservou a Petrobras e o Banco do Brasil. Assim como o governo do PSDB, o governo de Lula pode ser classificado como "social-democrata", para desgosto de petistas radicais e dos próprios tucanos. A diferença fundamental, fora das discussões de cunho moral, é a presença do estado.

Acusado de ser adepto do "Estado mínimo", Fernando Henrique diz-se a favor do "Estado eficiente", que é o lema dos tucanos na disputa sucessória. Antes de adotar instrumentos como o superávit primário, ou as metas de inflação, no segundo governo, tratou-se de reorganizar o Estado, desorganizado pelo uso político desmedido da máquina pública.

Não era possível fixar metas de inflação ou superávit sem tirar do armário os esqueletos do Banco do Brasil, ou sem acabar com os bancos estaduais, fábricas de déficits orçamentários com fins políticos.

Pois, superado o processo em que o ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci dominava a área econômica, estamos vendo novamente o governo Lula aumentar gradativamente os gastos públicos e o tamanho da máquina estatal, ocupando todos os espaços novos com nomeações políticas.

A carga tributária elevadíssima e o aparelhamento do Estado são os pontos principais com que a oposição ataca o governo, sendo que os Democratas vai aos poucos perdendo a timidez para assumir uma postura de oposição conservadora, ou "de direita", que ainda incomoda seus dirigentes, que preferem se apresentar como "de centro".

Mas essas mesmas políticas estão na ordem do dia, não apenas aqui no Brasil como no mundo, e os Democratas se filiaram à Internacional de Centro Democrático, uma associação que, assim como a Internacional Socialista, reúne os partidos de esquerda do mundo, congrega os partidos "de centro", identificados popularmente como "de direita".

Essa tendência está bem representada por José Maria Aznar, do Partido Popular na Espanha (alvo de ataques do protoditador Hugo Chávez na recente reunião Ibero-Americana no Chile, quando o Rei Juan Carlos mandou-o se calar); Nicolas Sarkozy , na França; Durão Barroso, do PSD em Portugal, atual presidente da União Européia; e, principalmente, o partido republicano dos Estados Unidos.

Em todos esses países a chamada rotatividade do poder é um fato, com partidos de direita se revezando com a esquerda, variando apenas a intensidade da ação ou o estilo de governar. No mundo globalizado, o que diferencia as tendências partidárias são menos as medidas econômicas e mais a maneira de agir do Estado para atingir os objetivos de bem-estar social para os cidadãos.

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