Entrevista:O Estado inteligente

terça-feira, novembro 20, 2007

Luiz Garcia - Ora vejam só




O Globo
20/11/2007

A Comissão de Ética Pública é um leão desdentado.
Não nasceu assim, há menos de dez anos, no governo Fernando Henrique, com a santa missão de ficar de olho no comportamento da alta administração federal.

No berço, foi prestigiada: naquele tempo antigo, ninguém de bom senso negaria as seduções implícitas em toda posição de poder nas altas esferas da República. Não se duvidou na época de que faz bem à saúde do Estado a existência de órgão autônomo - e severo até a casmurrice - que fiscalize o comportamento pessoal dos poderosos do momento.

Por lei, exigem o olho vivo da comissão ministros e secretários de Estado, além de outros altos funcionários até o nível seis dos DAS. A área de fiscalização é ampla. Uma amostra: atendimento do público, aceitação de presentes e convites para viagens, comportamento pessoal, conflitos de interesse, patrimônio pessoal, prejuízos causados ao erário, publicidade, tráfico de influência. E os fiscalizados são cerca de 2.500 cidadãos.

O grande beneficiário de um bom trabalho da comissão é, naturalmente, o povo. Mas o próprio governo, e os partidos nele instalados, também devem, ou deveriam, ter interesse, até pessoal, em prestigiá-la. Afinal, homens públicos dependem de aprovação popular - e o que é melhor para consegui-la do que atestados de bom comportamento emitidos por um órgão sério e independente?

Assim certamente pensava o governo Fernando Henrique, que criou a comissão em 1999 - e lhe deu dentes. Nomeou sete conselheiros de reputação impecável e lhes proporcionou um orçamento anual que chegou a R$1,7 milhão. Nos primeiros tempos, o trabalho do órgão foi considerado de alto nível. Era de esperar, já que os conselheiros também habitavam esse patamar. E somavam longa experiência na vida pública com a ausência de ambições políticas.

Parece que o governo Lula não gosta de conselhos de ética - muito menos de conselhos sobre ética. Não há outra explicação para a blitz realizada contra o órgão nos últimos anos. No momento, há apenas quatro conselheiros em atividade; é o número mínimo para a tomada de decisões. E o orçamento pouco passa de R$300 mil. Mais grave ainda: o Executivo e seus integrantes não dão a menor bola para as decisões da comissão. Como aconteceu com a declaração de incompatibilidade entre o cargo de ministro do Trabalho e o exercício da presidência do PDT por Carlos Lupi. Nem ele nem o Planalto sequer responderam ao conselho.

Assim, aos poucos, o leão perdeu os dentes.

Outro dia, foi anunciada, como iniciativa da própria comissão, uma pesquisa para conhecer a opinião da sociedade sobre a ética no serviço público. Parece ser um esforço, até compreensível, para mostrar que o brasileiro exige bom comportamento de seus homens públicos. Mas figuras da oposição caíram de pau na proposta, considerando-a mais uma jogada do Palácio do Planalto. Parece ser reação precipitada: no fim das contas, sempre vale a pena trazer preocupações éticas para o primeiro plano.

E, sabe-se lá, a pesquisa pode provocar uma reação de pasmo da opinião pública: ora vejam só, o governo ainda tem fiscais de ética?

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