Entrevista:O Estado inteligente

sábado, novembro 10, 2007

Merval Pereira Democracia reinventada

LIMA. O sociólogo francês Alain Touraine, no texto que enviou à reunião da Academia da Latinidade sobre a democracia na América Latina, não usa de meias palavras para deixar clara sua visão: estes novos governos na região, a exemplo da Venezuela, da Bolívia e do Equador, não podem ser considerados movimentos democráticos, mesmo que tenham se originado de eleições livres e democráticas. Para ele, não há dúvida de que Hugo Chávez pretende promover uma militarização da Venezuela análoga à que aconteceu em Cuba logo após a vitória da revolução comandada por Fidel Castro. Ele avalia que a influência do regime chavista sobre os governos de Evo Morales e Rafael Correa torna uma incógnita o desenvolvimento da democracia na Bolívia e no Equador.

Lembra que, na ocasião, a vitória de Fidel Castro contra Batista foi considerada uma vitória da democracia, mas logo “o novo regime mostrou sua característica ditatorial e de vigilância policial sobre a população”. Touraine entra em uma análise mais profunda sobre a situação da Bolívia, que considera bastante frágil, e coloca em dúvida “a capacidade de um movimento de inspiração democrática de alimentar uma ação governamental também democrática”.

Para Touraine, a capacidade de governabilidade da Bolívia é fraca, a coerência das decisões nem sempre existe e, sobretudo, o futuro do país não está decidido. De um lado, ele vê a ação de grande influência de Chávez, e de outro, a importância das intervenções internacionais, sobretudo do Brasil, para fazer a Bolívia participar da economia do continente, através de sua produção de gás. Quando escolher entre os dois caminhos, Morales estará demonstrando qual tipo de democracia seguirá. Por enquanto, o modelo chavista o seduz, ideologicamente e sobretudo financeiramente.

Sobre esse assunto, o sociólogo boliviano Cesar Rojas Rios admite que a influência da Venezuela traz boas e más conseqüências. “Para um país pequeno como o nosso, ter o apoio da Venezuela sem dúvida nos dá uma margem de manobra maior.

Era previsível que mudar nosso espectro político à esquerda geraria um novo alinhamento exterior”. Mas admite que ao presidente Evo Morales está sendo prejudicial esse relacionamento com Chávez, dentro da luta política interna.

Uma relação “tão paternalista, tão impositiva” é muito criticada na Bolívia, “dizem que saímos de um mal maior para um mal menor”, se referindo à influência anterior dos Estados Unidos. No entanto, ressalva ele, “é preciso dizer que a Venezuela tem sido generosa com a Bolívia, nos tem tirado de muitos apuros econômicos. Essa liquidez venezuelana tem sido importante para a Bolívia, sempre que precisamos, Chávez saca o cheque”.

É essa influência venezuelana que o sociólogo francês Alain Touraine vê como uma ameaça à consecução de uma política democrática na Bolívia. Ele também cita o caso argentino, onde diz que não é possível ainda definir se o processo político será democrático ou não, pois os sinais são contraditórios. “A vida política é fraca, e os esforços para reorganizar os investimentos nacionais são insuficientes”, diz Touraine sobre a atualidade argentina, ressaltando ainda a forte ajuda econômica de Chávez.

A ausência de uma oposição verdadeira na eleição atual, que elegeu Cristina Kirchner no primeiro turno, seria um sinal de que “não se pode definir a Argentina como uma democracia, mas muito menos como antidemocrática”.

Com relação à falta de oposição ativa como sinal de mau funcionamento da democracia, também Candido Mendes havia chamado a atenção para o fato de que, no Brasil, o governo cooptou os movimentos sociais, os sindicatos e o movimento estudantil através de financiamentos, fazendo com que não exista uma verdadeira movimentação social no país fora das ações determinadas pelo governo.

A única exceção que Touraine considera “fora do esquema geral” é o Chile. Sobre o Brasil de Lula, há uma referência passageira e desiludida sobre a falta de mobilização social no país para as grandes transformações esperadas na sociedade. Essa falta de mobilização social, aliás, é lamentada por Touraine em todas as partes do mundo.

Ele considera que não existem hoje mais “o equivalente às ações coletivas que colocaram a liberdade e a justiça na frente durante um longo período, sobretudo na Europa e nos Estados Unidos”.

Preocupado com a neutralização da democracia no mundo atual, o sociólogo Alain Touraine adverte que está na hora de “nos reinventarmos como seres políticos”, e considera que a América Latina pode ser “um terreno favorável à tomada de consciência do novo sentido que deve ter a democracia”.

Ele não chega a detalhar esse “novo sentido”, falando apenas em “uma sociedade livre tal como conhecemos no decorrer dos últimos quatro ou cinco séculos”. Fala de uma sociedade “igualitária” e da idéia de cidadania.

O sociólogo francês considera que a Europa é ainda muito dominada por um racionalismo e um secularismo que lhe valeram grande sucesso, mas ele se diz “mais esperançoso” no continente do “não”, que é a América Latina, do que no continente do “sim”, que é a Europa. O continente do “não”, no sentido de que ainda faltam coisas fundamentais a realizar, tem pela frente grandes desafios de onde poderão sair a nova democracia, que ele não identifica nos países sob a influência chavista.

A América Latina, analisa Touraine, está confrontada com uma desigualdade “que é inaceitável e bloqueia seu desenvolvimento”. Assim como tem necessidade de reabilitar culturas destruídas e ainda de encarar o desafio de conter a difusão dos evangélicos e de novas formas de vida religiosa, cujas atuações políticas no mundo contemporâneo Touraine considera antidemocráticas.

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