Entrevista:O Estado inteligente

domingo, novembro 18, 2007

Males do fracasso da Previdência

Suely Caldas


O Fórum da Previdência foi encerrado em 31 de outubro exatamente como começou: partiu do zero e terminou em nada. Foram sete meses de debate absolutamente inútil, em que trabalhadores e empresários brincaram de surdos, não ouviam uns aos outros e não fizeram o menor esforço em buscar um acordo mínimo que fosse.

O Ministério da Previdência bem poderia ter economizado o dinheiro gasto com passagens aéreas e hospedagem em Brasília para os integrantes do Fórum. Afinal, ali todos - governo sobretudo - conheciam qual seria o final da história. Eles já haviam seguido script idêntico no Fórum Trabalhista - instalado em 2003 e concluído em 2005 sem nenhuma reforma, nem a sindical, muito menos a trabalhista.

Ao instalar o Fórum, no dia 12 de fevereiro deste ano, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva acenou com o aumento da idade mínima de acesso à aposentadoria como o primeiro passo para a reforma. Nem isso saiu. Não houve acordo para mudar regra alguma, nem mesmo para a próxima geração de trabalhadores que só se aposentará dentro de 35 a 40 anos. O ministro da Previdência, Luiz Marinho, reconheceu o fracasso e transferiu para o presidente Lula a responsabilidade de enviar um projeto de reforma ao Congresso. Aí mesmo é que não sai reforma. Lula não gosta de lidar com conflitos, sobretudo se o conflito implica tomar decisões politicamente impopulares. E este é o caso no mundo inteiro. Nem por isso os governantes conscientes se têm negado a enfrentar a questão de frente, inclusive com greves e passeatas em seus países.

Agora mesmo a França enfrenta movimentos grevistas contra mudanças de regras na Previdência propostas pelo governo. A principal delas é ampliar de 37,5 anos para 40 anos o tempo de contribuição para se ter acesso à aposentadoria. Há dois ou três anos os franceses não queriam nem ouvir falar de mudanças na Previdência e apoiavam movimentos grevistas. Hoje, 59% dos franceses defendem as posições do governo e só 35% são favoráveis aos grevistas. Foi resultado da persistência de sucessivos governos, de esquerda e de direita, porque esta não é uma questão ideológica, é matemática, que leva em conta o progresso da medicina e a rápida longevidade da população nas últimas três décadas. Hoje o benefício é pago por muito mais tempo do que no passado, portanto a conta matemática não fecha, é preciso mudar a fórmula de cálculo. Na Europa há países que já fizeram e outros dão curso à reforma da Previdência, mas nenhum mantém as mesmas regras de 30 a 40 anos.

No Brasil as pessoas podem requerer aposentadoria por idade - 65 anos o homem e 60 anos a mulher - ou por tempo de contribuição - 35 anos o homem e 30 anos a mulher. E há ainda quem se aposente mais cedo, como os professores, que podem requerer o benefício com apenas 30 anos de contribuição. São regras que estão em vigor há 30-40 anos, quando os brasileiros tinham expectativa média de vida entre 58 e 62 anos. Hoje, na média, o brasileiro vive 72,4 anos, calcula o IBGE. Um professor passa mais tempo de vida recebendo o benefício do que contribuindo para o INSS. Não há como manter tal situação, que se agrava a cada ano, até porque - felizmente para nós - a expectativa de vida do brasileiro só tende a crescer.

Se a Previdência do trabalhador privado produz um déficit anual entre R$ 40 bilhões e R$ 44 bilhões, a dos funcionários públicos é muito pior, porque só a partir dos anos 90 eles começaram a contribuir para a Previdência Pública. Hoje o déficit global de trabalhadores públicos e privados passa de R$ 100 bilhões. Desembargadores, juízes, policiais, parlamentares e funcionários de alto escalão, na União e nos Estados, recebem aposentadorias milionárias, muitos sem nunca ter pago para recebê-las, porque são remanescentes da época que não havia contribuição.

À margem desse mundo previdenciário torto vivem 32,1 milhões de trabalhadores excluídos, sem direito algum e sem proteção social para quando chegarem à velhice. Desses, 28,8 milhões têm entre 16 e 59 anos e passarão o resto da vida trabalhando para se sustentar. Se as regras não mudarem para reduzir o custo de contratação de mão-de-obra e estimular empresas a legalizarem seus trabalhadores, esse número pode duplicar em menos de uma década.

Além deles, há um exército, uma multidão de jovens, que ingressa no mercado de trabalho, que paga a contribuição ao INSS, vê seu dinheiro ser aplicado no pagamento dos que já estão aposentados e não sabe se receberá o benefício quando chegar a sua vez.

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