Uma no cravo, outra na ferradura
Lula é inigualável na arte de se apropriar dos resultados de ações adotadas no passado, assinalando que "nunca antes na história deste País" certos fatos aconteceram. Nem sempre se preocupa com o futuro, como prova a péssima herança fiscal que deixará para seus sucessores, a ponto de tornar indispensável a prorrogação da CPMF.
O País deve a Lula a corajosa decisão de manter a política econômica, malgrado a promessa em contrário e as pressões em favor de uma guinada rumo ao desastre. Nem por isso livrou-se de adotar velhas idéias do PT. Daí os contrastes no governo.
Parte bem visível dessa ambigüidade é a política externa, que enterrou as negociações da Alca, com direito a celebração pública de Lula. Apostou na Rodada de Doha e menosprezou a oportunidades do comércio bilateral com os EUA.
Não surpreende, assim, a exclusão dos blocos nem as suas justificativas. Velhos socialistas convencidos da inevitabilidade do capitalismo costumam praticar, mesmo sem o perceber, seu credo anterior, à moda dos cristãos novos. Influenciam-se pelo antigo padrão mental e têm dificuldade de entender a economia de mercado.
Falou-se que a retirada dos blocos seria uma decisão equivalente à interrupção do processo de concessão de rodovias, que reduziu o valor máximo das tarifas. Ora, o substancial desconto oferecido pelas vencedoras mostrou que o novo valor teve influência nula no leilão. Serviu para atrasar o leilão.
Argumentou-se que o governo soube da descoberta em fins de outubro, mas o mercado já sabia há mais tempo. Restava apenas cubar as reservas. Obviamente, quem se preparou para o leilão engoliu em seco. Preferiu-se não reclamar dos gastos para dele participar confiando nas regras. Já a lei do petróleo pode mudar para introduzir o modelo de partilha adotado por Venezuela, Bolívia, Líbia e Iraque. Que companhia!
O governo nega, mas sobraram sinais de visões nacionalistas ultrapassadas, equívocos sobre o que seja estratégico e desejos de reservar as áreas para a Petrobrás. O irônico é que, pelo conhecimento da área, a estatal seria a grande vencedora.
Há contrastes compreensíveis, como as críticas do vice-presidente, ministros e políticos que apóiam o governo à política monetária. É assim também em outros países. Nos EUA, como descreve Alan Greenspan em seu recente livro, pessoas que exerciam cargos semelhantes disseram coisas parecidas. O presidente da França tem feito restrições à ação do Banco Central Europeu.
Dificilmente se vê, porém, contrastes como os do governo Lula. Caso saliente é o do economista indicado pelo governo para representar o Brasil na diretoria executiva do FMI. No cargo, ele mantém as suas conhecidas posições sobre a política monetária, que critica publicamente em declarações e artigos na mídia. Sugere medidas reiteradamente condenadas pelo Banco Central e pelo próprio Fundo, como o controle de capitais externos.
Por certo, ele tem o direito de ter suas opiniões sobre esses assuntos, mas parece estranho que as externe no cargo que exerce, o que contraria normas de comportamento esperadas dos que servem a governos e a organizações multilaterais. Há que considerar que ele representa, além do Brasil, um grupo de países membros do Fundo.
Uma explicação para essa espantosa situação poderia ser a de que o governo que o indicou apoiaria suas posições. Nesse caso, caberia substituir a diretoria do Banco Central, já que seus membros podem ser demitidos (não gozam de autonomia legal). Ou o governo, pelos seus escalões mais altos, está de acordo com a política monetária. Se for assim, as manifestações públicas daquele economista pressupõem falta de comando para uniformizar a linguagem interna do governo e dos que o representam lá fora.
Algo parecido está acontecendo com os novos dirigentes do Ipea. Não é à toa que se começa a ouvir, aqui e no exterior, dúvidas sobre a preservação da política econômica e das regras básicas nas quais acreditaram os que investiram no Brasil.